Globo faz no Golpe de 2016 o papel que foi do Ipês em 1964. Pela segunda vez na vida, Dilma Rousseff enfrenta a sanha dos golpistas. A primeira foi na ditadura militar, quando ficou presa por três anos
(Imagem: A jovem Dilma Rousseff em foto histórica durante depoimento para torturadores da ditadura, que, envergonhados, escondem seus rostos)
Adriano
Diogo e Joana Monteleone, Viomundo
Nos anos que antecederam o golpe militar, foi criado um instituto para
coordenar a relação entre civis e militares. Chamava-se Instituto de Pesquisas
e Estudos Sociais — Ipês. Dentre os seus diversos atributos estava a
coordenação da mídia, que ficava a cargo do escritor Rubem Fonseca.
Fonseca ainda não era um autor publicado (viria a ser pelas edições GRD,
que recebia polpudas verbas de um
programa da inteligência norte-americano). Não passava de um
executivo da Light destacado para atuar no Ipês.
O Ipês fazia filmes de propaganda anticomunista e peças publicitárias,
que eram espalhados pelo país e exibidos nos cinemas. Também pagava anúncios em
jornais e rádios. Espalhava panfletos de mão em mão, também, dizendo que o
diabo era vermelho e que Jango era seu profeta brasileiro.
Mas não era só isso. O instituto contratava agências de publicidade para
pautar jornais, revistas, programas de televisão e rádio, que martelavam dia e
noite notícias contra o governo legitimamente eleito.
O Ipês era financiado por industriais da Fiesp, mas também por agências
norte-americanas, mais ou menos sigilosamente. Ou seja, todo mundo sabia, mas
nunca era fácil de provar.
Uma agência de publicidade contratada
pelo grupo, e isso é menos conhecido, chamava-se CommonWealth, e
tinha a sede na Park Avenue, em Nova York.
Todo mês a pauta contra o governo mudava – uma hora era contra as reformas
de base, outra pedindo mudanças trabalhistas para facilitar a vida dos patrões,
depois atacavam as ligas camponesas, e quando não tinha outro assunto, apelava
para denúncias, muitas inventadas, de “corrupção”, mas só dos governo do Jango.
O que a direita fazia, no Rio, com Carlos Lacerda, ou em São Paulo, com Ademar
de Barros, por exemplo, não era nunca considerado grave.
Como era uma agência de publicidade que pautava os jornalistas, todo mês
o instituto recebia um relatório de mídia, com informações sobre quantas
matérias tinham saído, quantas entrevistas haviam sido dadas, como estava o
clima “contra o governo”, como haviam sido as conversas com os proprietários de
jornal. E, para dar molho à história, os acontecimentos de março de 1964 foram
apelidados de “Projeto B”. O golpe no Brasil de 1964 tinha até apelido.
O Ipês e outro instituto chamado Ibad montaram uma enorme bancada no
Congresso, financiando candidaturas de políticos conservadores para a eleição
de 1962. A CPI do Ibad, ainda antes de 1964, investigou o caso e incomodou
muita gente. Nela se destacou o deputado federal paulista Rubens Paiva, que
seria preso e morto (seu corpo até hoje está desaparecido) pela ditadura
militar.
O objetivo do Ipês-Ibad era claro: desarticular a sustentação
político-parlamentar de Jango. Trabalhava como emissário ipesiano um poderoso
banqueiro carioca, Jorge Oscar de Mello Flores, diretor da Sul-América Seguros,
responsável por operacionalizar no coração do Poder Legislativo o pesado lobby
do instituto, cujo financiamento era sustentado por doações de grandes empresas
brasileiras e multinacionais aqui instaladas.
A principal função de Mello Flores era coordenar uma rede
suprapartidária de parlamentares arregimentados pelo Ipês, para barrar os
projetos do governo no Congresso e por em xeque, permanentemente, a
capacidade de Jango de governar. Dessa forma, Jango se veria cada vez mais
isolado na cena política nacional, criando um clima de instabilidade que o
levaria a radicalizar o discurso e a ação.
A preocupação com a mídia era uma constante nas reuniões dos diretores
do instituto. Tanto para saber como iam os deputados “aliados”, como para medir
o nível de pressão política exercida em Jango e como a sociedade se comportava.
A agência de publicidade também marcava reuniões para arrecadação de fundos
para se pagar o golpe – era preciso pagar viagens, telefonemas, deputados,
filmes, peças de publicidade.
Há alguns institutos parecidos com o Ipês atuando por aí. Organizam
eventos, promovem debates, reúnem barões do empresariado e da mídia. Mas eles
não são nada perto do que foi o Ipês.
E por que não há um grande Ipês? Por que não é preciso mais pagar um
instituto autônomo para fazer a coordenação de mídia do golpe. Existe um grande
grupo de mídia, que envolve TV aberta, TV a cabo, rede de rádio, internet,
editoras de livros, de revistas, sociedades explícitas e sociedades secretas,
etc. etc. etc.
Hoje, o Ipês é a Globo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário