TER, 22/03/2016 - 17:03
ATUALIZADO EM 22/03/2016 - 17:12
"Covardes
seríamos, se tolerássemos a violação da Constituição e das leis. Covardes
seríamos, se aceitássemos ser tutelados por juízes de primeira instância e pela
mídia. Mas estamos na trincheira da constituição e da legalidade e combatemos o
bom combate."
Jornal GGN - A seguir, um texto ficcional de como poderia ser a sessão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que irá julgar a ação de Habeas Corpus solicitada pelos advogados de Lula, segundo os preceitos da Constituição Federal brasileira.
Por
Apaminondas Democrito Davila
Discurso do
presidente Ricardo Lewandowski na abertura da sessão extraordinária do Supremo
Tribunal Federal durante o recesso da semana de páscoa de 2016. Um
sonho
Excelentíssimas senhoras ministras
Carmen Lúcia e Rosa Weber, Excelentíssimos senhores ministros,
A gravidade da situação política, de
todos conhecida, levou-me a convocar essa sessão extraordinária do Supremo
Tribunal Federal. O tribunal deve deliberar sobre dois temas:
1. A admissibilidade da ordem de
Habeas Corpus (com pedido de liminar) impetrada em 20 de março do corrente ano
em favor do Ministro Luís Inácio Lula da Silva.
2. A constitucionalidade de medidas
recentes do juiz federal de primeira instância Sérgio Fernando Moro, da 13ª
Vara Criminal de Curitiba.
Sobre o primeiro tema ouviremos logo
a relatora, Ministra Rosa Weber.
Com relação ao segundo, o Supremo
Tribunal Federal tem a obrigação constitucional de encerrar definitivamente a
discussão em torno da divulgação de interceptações telefônicas feitas por
enquanto duas vezes na semana passada com autorização do juiz Sérgio Fernando
Moro, de Curitiba.
Não tenho a menor dúvida que o
entendimento majoritário dessa corte será pela preservação do Estado de
Direito, tal como definido na Constituição de 1988, que nos vincula a todos,
aos juízes de todas as instâncias, aos membros do Ministério Público em todas
as instâncias, aos membros da Polícia Federal, a todos os membros de órgãos
públicos e aos cidadãos. Ninguém está acima da constituição e das leis.
Ao fazer essas considerações
preliminares, socorro-me de dois pronunciamentos do Ministro Marco Aurélio,
feitos em 4 e 20 de março de 2016. Nunca será demais repetir as palavras de
Vossa Excelência:
"A situação chegou a um patamar
inimaginável. Eu penso que nós precisamos deixar as instituições funcionarem
segundo o figurino legal, porque fora da lei não há salvação." Como se não
bastasse, o Ministro Marco Aurélio disse ainda: "A atuação do Judiciário
brasileiro é vinculada ao direito positivo, que é o direito aprovado pela casa
legislativa ou pelas casas legislativas. Não cabe atuar à margem da lei. À
margem da lei não há salvação. Se for assim, vinga que critério? Não o critério
normativo, da norma a qual estamos submetidos pelo princípio da legalidade.
Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei. Se o que vale é o critério subjetivo do julgador, isso gera uma
insegurança muito grande."
Atribui-se ao filósofo grego
Heráclito a seguinte afirmação: "Os cidadãos devem lutar pela lei como
lutam pela defesa das muralhas da sua cidade." Basta ligar a televisão,
basta ler a mídia impressa, basta ouvir manifestações radiofônicas, basta
freqüentar por alguns minutos a discussão muitas vezes emocional no Facebook e
em outros veículos para verificar que esse entendimento não é mais consensual
entre nós. Até entre os operadores do direito as posições divergem, como mostra
o conflito na Ordem dos Advogados.
Num extremo temos os que defendem as
muralhas da constituição. Noutro, os que se comportam como inimigos da
constituição, combatendo-a abertamente ou flexibilizando-a, enfraquecendo-a
aqui e ali. O que os anima? Pressinto um desejo inconfessável de ver se a
sociedade e o STF façam vista grossa.
Com o desassombro que lhe é peculiar,
o eminente Ministro Marco Aurélio disse do juiz Sérgio Fernando Moro: "Ele
não é o único juiz do país e deve atuar como todo juiz. Agora, houve essa
divulgação por terceiros de sigilo telefônico. Isso é crime, está na lei. Ele
simplesmente deixou de lado a lei. Isso está escancarado e foi objeto,
inclusive, de reportagem no exterior." Permito-me acrescentar, Ministro
Marco Aurélio, que entrementes isso já é objeto de várias reportagens no
exterior. Não me furto a citar aqui mais uma vez as palavras de Vossa
Excelência: "Não se avança culturalmente, atropelando a ordem jurídica,
principalmente a constitucional. O avanço pressupõe a observância irrestrita do
que está escrito na lei de regência da matéria. Dizer que interessa ao público
em geral conhecer o teor de gravações sigilosas não se sustenta. O público
também está submetido à legislação."
O Ministro Marco Aurélio não é voz
isolada. Cito exemplificativamente um breve pronunciamento do Ministro Luís
Roberto Barroso, de 12 de setembro de 2013, feito nesta sala: "Não estou
almejando ser manchete favorável. Sou um juiz constitucional, me pauto pelo que
acho certo ou correto. O que vai sair no jornal no dia seguinte, não me
preocupa. Eu cumpro o meu dever. Se a decisão for contra a opinião pública, é
porque este é o papel de uma Corte constitucional." Disse ainda o Ministro
Luís Roberto: "[...] não julgamos para a multidão. [...] Eu não estou aqui
subordinado à multidão, estou subordinado à Constituição."
Como a evocar Heráclito, o Ministro
Marco Aurélio disse do Supremo Tribunal Federal: "É a última trincheira da
cidadania. Quando o Supremo falha, você não tem a quem recorrer."
Ao citar as palavras dos meus
colegas, antecipo aqui a minha posição. Tenho a certeza de que ela será
endossada por todos os membros da corte.
Vamos, pois defender a constituição e
a lei como uma trincheira. Ao fazermos isso, mostraremos a todos os operadores
do direito, juízes, promotores, procuradores da República, mas também aos
agentes da Polícia Federal, bem como à sociedade em geral que a nossa
Constituição e as leis da república são eficazes e vinculantes. Prestaremos
dessarte uma contribuição decisiva à pacificação dos conflitos na sociedade,
exacerbados nas últimas semanas.
Este tribunal desconhece ministros
covardes. Covardes seríamos, se tolerássemos a violação da constituição e das leis.
Covardes seríamos, se aceitássemos ser tutelados por juízes de primeira
instância e pela mídia. Mas estamos na trincheira da constituição e da
legalidade e combatemos o bom combate.
*Apaminondas
Democrito Davila é o nome ficcional de um jurista, filósofo e professor emérito
aposentado.
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