Reflexões sobre o 4 de março de 2016
Por ter sido repórter de política num período grande da sua vida profissional, no Rio e em Brasília, e também por ter cumprido, digamos, o papel de “chefe da Casa Civil” do Ancelmo Gois em sua coluna ao longo de mais de uma década, o cronista digital sempre se sentiu pouco à vontade e até mesmo impedido de revelar o voto dele publicamente.
Repórter, sobretudo o de política, é aquele ser que, uma vez reconhecido na rua, ou quando expõe seus pensamentos no botequim ou na internet, principalmente na internet, território livre onde as ofensas se alastram como mosquito da zika ou da chicungunha, na maioria das vezes incentivadas pelo anonimato de quem as comete, enfim, esse cara, o jornalista político, se identificado, vira alvo da ira de quem pensa diferente dele – ou, ainda mais comum, do patrão dele.
No auge do pedetismo no Rio, por exemplo, quando a TV Globo castigava e castigava e castigava Leonel Brizola, militantes aloprados viraram um carro da emissora. A bordo, não estava o Roberto Marinho. Estavam profissionais que, na vida privada, discordavam seriamente do pensamento da empresa e do seu dono.
O cronista digital mesmo, em tempos mais amenos, e sem ter nada com isso, já foi desafiado em balcões de botequim a explicar as posições do “Globo”, onde trabalhou por 13 anos e meio.
Mas, apesar de todo risco que possa correr neste 4 de março de 2016, dia já marcado na História brasileira como o da 24ª fase da Operação Lava-Jato, cujo alvo foi o Lula e sua família e alguns amigos, eu, hoje, senti vontade de revelar meus votos.
Não há nenhuma novidade neles. Todos os meus amigos já sabem – e outros nem tão amigos, também, por já terem dividido comigo mesas de redação ou de bar.
Em 1986, pra governador do Rio, eu votei, com o maior orgulho, no professor Darcy Ribeiro. Talvez tenha sido o resultado eleitoral mais frustrante da minha trajetória de eleitor, ali incipiente. Deu Moreira Franco. Em 1989, pra presidente, fui de Brizola, no primeiro turno, e de Lula, no segundo.
Como nunca votei no PSDB nem no PMDB, apesar de acreditar na existência de gente de bem nesses partidos (e aqui queria lembrar o senador Pedro Simon), bom, como jamais escolhi candidatos tucanos ou peemedebistas, fica claro que meus votos seguintes não foram muito diferentes.
Ou seja, votei no Lula e votei na Dilma.
Nunca fui filiado a nenhum partido nem vesti camiseta de candidato. Nem nos breves meses em que fui assessor de imprensa da Cidinha Campos em sua campanha pelo PDT à prefeitura do Rio, em 1992. Aliás, nem votei nela, porque meu título era de Nova Iguaçu.
O cronista digital diz tudo isso pra tentar convencer quem dele venha discordar, por alguma razão ou paixão, que ele hoje se sente um eleitor comum, livre pra cobrar seus eleitos pela compra de um pedalinho de R$ 2 mil ou de um barquinho, ainda que mequetrefe, de R$ 4 mil. Ou de um apartamento no Guarujá – não em Higienópolis, imagina, onde mora o FH, nem no Leblon, de onde muitas vezes já tocou seu mandato ou governou Minas o senador Aécio Neves.
Não faz muito tempo, cabia aos jornais denunciar um suposto crime; à polícia, cabia investigar; ao Judiciário, julgar. Hoje, com todo o respeito e sem qualquer fiozinho de ressentimento, preocupa a constatação de que a ordem das coisas se inverteu, e que nosso principal repórter é, num sentido figurado, o japonês da Federal. O pauteiro da redação é o juiz Sérgio Moro. E a nossa grande imprensa, com sua soberba e seus autoelogios incuráveis, só parece publicar o que deles vem, o que por eles se sabe – e, na contramão do que ensinam as boas escolas de jornalismo, sem contra-apuração.
Nada contra o papel da Polícia Federal e do magistrado Moro. Acho que a Lava-Jato deve investigar mesmo. Ir fundo. Raspar o tacho de toda nojeira e pôr na cadeia os culpados, não importa o partido deles – PT, PSDB, PMDB, PP, PQP, FDP…
Mas o ocorrido no Brasil nesta sexta-feira, dia 4 de março, é o tesouro mais contundente que o PT buscava, talvez sem merecer encontrar, com sua interminável coleção de transgressões e de desacertos e de desastres e de falta de vergonha de alguns de seus filiados. É, talvez, a prova mais bem acabada que o partido fundado a partir de tantos sonhos, em 1979, poderia receber de presente pra reforçar sua tese de motivação política por trás da Lava-Jato.
A Polícia Federal, por ordem do juiz Moro, foi à casa do Lula às 6h da manhã com um mandado de condução coercitiva pra que o ex-presidente depusesse sobre um barquinho de R$ 4 mil, um pedalinho de R$ 2 mil e uma chácara e um tríplex que ele garante que não são dele. Se forem, fica configurada a ocultação de patrimônio – e que o Lula (ele e dona Marisa flagrados de pijama e camisola) seja punido por isso.
Mas, de novo com todo o respeito ao juiz Moro e à tropa da Polícia Federal boa cumpridora de ordens, não havia necessidade de condução coercitiva, nem de criar mais um embaraço, este gigantesco, e mais uma crise que dissemina o devaneio da possibilidade de golpes pra um governo já paralisado e já em frangalhos e já ruim e quase sem chance de reação como o da Dilma.
O juiz Moro perdeu pontos importantes neste 4 de março. A Polícia Federal, por tabela, também. O PT, Lula e Dilma, acho, saem vencedores deste gesto aloprado.
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