Os motins que prostituem a democracia
Se os policiais tivessem interesse em se igualar ao povo, em vez de oprimi-lo, exigiriam sua própria desmilitarização.
Por Ana Helena Tavares(*)
Um movimento que põe em risco a segurança da população não pode ser apoiado incondicionalmente. Fazer greve usando colete à prova de bala é moleza. Criança como escudo é pior ainda, covardia, puro medo da democracia. Não é greve, é motim. Assim foi na Bahia.
Tentaram exportar o movimento para o Rio de Janeiro e fracassaram. Os bombeiros cariocas, que foram muito apoiados na última greve, se queimaram (com o perdão do trocadilho) ao vincular suas justas reivindicações salariais à truculência da PM baiana.
Não tenho a mínima simpatia pelo governador do RJ, Sérgio Cabral. Mas a culpa pelo autoritarismo da polícia não é dele. Remonta a um parente longínquo: o Pedro Álvares. A existência da polícia como militar é um atentado contra a democracia.
Sendo militares, eles têm que se submeter ao código militar. Quando entram para a corporação, sabem muito bem que este código diz que militar não pode fazer greve, pois é crime. Portanto, se querem poder paralisar suas atividades para reivindicar seus direitos, com a responsabilidade de não prejudicar os da população, eles têm que se desmilitarizar. Mas, claro, perderão regalias…
A quebra de hierarquia militar é outro ponto importante do debate. A “greve” no Rio teve como líder um cabo. Rui Moreira Lima, hoje major-brigadeiro, disse em entrevista a mim que uma das coisas que caracterizam um golpe é a quebra de hierarquia. Assim foi em 64. Militares legalistas, como o Moreira Lima, foram presos por golpistas de patentes inferiores.
Não quero dizer com isso que defendo uma sociedade hierarquizada. Não deveria ser assim. Não se o povo entendesse que o poder está nas mãos dele. Mas se os policiais tivessem interesse em se igualar ao povo, em vez de oprimi-lo, exigiriam sua própria desmilitarização.
Por que não quebraram a hierarquia em Pinheirinho e não se recusaram a executar as absurdas ordens superiores?! Estes seriam os meus heróis.
Alguns deles se autodenominam como “as prostitutas do sistema”. Se é assim, o que aconteceu em Pinheirinho foi putaria. Eles podem mudar isso. Podem se libertar dessa prostituição. É só exigirem a desmilitarização. Militar é treinado para cumprir ordens e, muitas vezes, para matar.
Muitos se transformam em verdadeiros bandidos de farda, com porte de arma legalizado pelo Estado. Isso sem falar naqueles cuja ânsia de “justiça pelas próprias mãos” sobe à cabeça e se transformam em Batmans.
É preciso pautar a unificação das polícias. Bombeiros? Em nenhum grande país do mundo, eles são militares. Mudar essa situação é progressismo, mas nenhum partido parece interessado por essa luta.
O que há é o interesse de alguns de se aproveitar do episódio. Tudo em nome da democracia. Essa, sim, prostituída por tanta gente que usa e abusa de seu nome para fazer palanque.
*Ana Helena Tavares é editora do site “Quem tem medo da democracia?”
=> Este artigo foi reproduzido pelo site da OAB-RJ.
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