Em carta aberta, o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão rebate o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, que comemorou o ontem o acordo de leniência firmado pela Odebrecht e pela Braskem, com pagamento de multa de R$ 8,5 milhões; Dallagnol mandou um recado a quem tem "complexo de vira-lata" e acha que "o Brasil não tem jeito"; "E o que vocês conseguiram de útil neste País para acharem que podem inaugurar um 'outro Brasil', que seja, quiçá, melhor do que o vivíamos? Vocês conseguiram agradar ao irmão do norte que faturará bilhões de nossa combalida economia e conseguiram tirar do mercado global altamente competitivo da construção civil de grandes obras de infraestrutura as empresas nacionais", diz a carta; "Só um conselho, colega: baixe a bola", pede Aragão
22 DE DEZEMBRO DE 2016 ÀS 13:47 // RECEBA O 247 NO TELEGRAM
247 -
Em uma carta pública a Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava
Jato, o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão contesta a comemoração do
procurador do acordo de leniência firmado pela Odebrecht e pela Braskem com o
Ministério Público Federal, que inclui uma multa de R$ 8,5 milhões. Em texto
divulgado nas redes sociais, Dallangol mandou um recado a quem tem
"complexo de vira-lata" e acha que "o Brasil não tem jeito"
ou quem não acredita em um "Brasil diferente".
"E o que vocês conseguiram de
útil neste País para acharem que podem inaugurar um 'outro Brasil', que seja, quiçá, melhor do que o vivíamos?
Vocês conseguiram agradar ao irmão do norte que faturará bilhões de nossa combalida economia e conseguiram tirar do mercado global altamente competitivo da construção civil de grandes obras de infraestrutura as empresas nacionais", responde Aragão na carta.
Vocês conseguiram agradar ao irmão do norte que faturará bilhões de nossa combalida economia e conseguiram tirar do mercado global altamente competitivo da construção civil de grandes obras de infraestrutura as empresas nacionais", responde Aragão na carta.
"Só um conselho, colega: baixe a
bola. Pare de perseguir o Lula e fazer teatro com PowerPoint. Faça seu trabalho em silêncio, investigue quem tiver que investigar sem alarde, respeite a presunção de inocência, cumpra seu
papel de fiscal da lei e não mexa nesse vespeiro da demagogia, pois você vai acabar ferroado", afirma ainda o ex-ministro.
papel de fiscal da lei e não mexa nesse vespeiro da demagogia, pois você vai acabar ferroado", afirma ainda o ex-ministro.
Leia a íntegra:
Minha cartinha aberta ao Dallagnol:
Meu caro colega Deltan Dallagnol,
"Denn
nichts ist schwerer und nichts erfordert mehr Charakter, als sich in offenem
Gegensatz zu seiner Zeit zu befinden und laut zu sagen: Nein."
(Porque nada é mais difícil e nada
exige mais caráter que se encontrar em aberta oposição a seu tempo e dizer em
alto e bom som: Não!)
Acabo de ler por blogs de gente séria
que você estaria a chamar atenção, no seu perfil de Facebook, de quem
"veste a camisa do complexo de vira-lata", de que seria
"possível um Brasil diferente" e de que a hora seria agora. Achei
oportuno escrever-lhe está carta pública, para que nossa sociedade saiba que,
no ministério público, há quem não bata palmas para suas exibições de falta de
modéstia.
Vamos falar primeiro do complexo de
vira-lata. Acredito que você e sua turma são talvez os que têm menos autoridade
para falar disso, pois seus pronunciamentos têm sido a prova mais cabal de SEU
complexo de vira-lata. Ainda me lembro daquela pitoresca comparação entre a
colonização americana e a lusitana em nossas terras, atribuindo à última todos
os males da baixa cultura de governação brasileira, enquanto o puritanismo lá
no norte seria a razão de seu progresso. Talvez você devesse estudar um pouco
mais de história, para depreciar menos este País. E olha que quem cresceu nas
"Oropas" e lá foi educado desde menino fui eu, hein... talvez por
isso não falo essa barbaridade, porque tenho consciência de que aquele pedaço
de terra, assim como a de seu querido irmão do norte, foram os mais banhados
por sangue humano ao longo da passagem de nossa espécie por este planeta. Não
somos, os brasileiros, tão maus assim, na pior das hipóteses somos iguais,
alguns somos descendentes dos algozes e a maioria somos descendentes das
vítimas.
Mas essa sua teorização de baixo
calão não diz tudo sobre SEU complexo. Você à frente de sua turma vão entrar na
história como quem contribuiu decisivamente para o atraso econômico e político
que fatalmente se abaterão sobre nós. E sabem por que? Porque são ignorantes e
não conseguem enxergar que o princípio fiat iustitia et pereat mundus nunca foi
aceita por sociedade sadia qualquer neste mundão de Deus. Summum jus, summa
iniuria, já diziam os romanos: querer impor sua concepção pessoal de justiça a
ferro e fogo leva fatalmente à destruição, à comoção e à própria injustiça.
E o que vocês conseguiram de útil
neste País para acharem que podem inaugurar um "outro Brasil", que
seja, quiçá, melhor do que o vivíamos? Vocês conseguiram agradar ao irmão do
norte que faturará bilhões de nossa combalida economia e conseguiram tirar do
mercado global altamente competitivo da construção civil de grandes obras de
infraestrutura as empresas nacionais. Tio Sam agradece. E vocês, Narcisos, se
acham lindinhos por causa disso, né? Vangloriam-se de terem trazido de volta
míseros dois bilhões em recursos supostamente desviados por práticas
empresariais e políticas corruptas. E qual o estrago que provocaram para lograr
essa casquinha? Por baixo, um prejuízo de 100 bilhões e mais de um milhão de
empregos riscados do mapa. Afundaram nosso esforço de propiciar conteúdo
tecnológico nacional na extração petrolífera, derreteram a recém reconstruída
indústria naval brasileira. Claro, não são seus empregos que correm riscos. Nós
ganhamos muito bem no ministério público, temos auxílio-alimentação de quase
mil reais, auxilio-creche com valor perto disso, um ilegal auxílio-moradia
tolerado pela morosidade do judiciário que vocês tanto criticam. Temos um
fantástico plano de saúde e nossos filhos podem frequentar a liga das melhores
escolas do País. Não precisamos de SUS, não precisamos de Pronatec, não
precisamos de cota nas universidades, não precisamos de bolsa-família e não
precisamos de Minha Casa Minha Vida. Vivemos numa redoma de bem estar. Por
isso, talvez, à falta de consciência histórica, a ideologia de classe devora
sua autocrítica. E você e sua turma não acham nada de mais milhões de famílias
não conseguirem mais pagar suas contas no fim do mês, porque suas mães e seus
pais ficaram desempregados e perderam a perspectiva de se reinserirem no
mercado num futuro próximo. Mas você achou fantástico o acordo com os governos
dos EEUU e da Suíça, que permitiu-lhes, na contramão da prática diplomática
brasileira, se beneficiarem indiretamente com um asset sharing sobre produto de
corrupção de funcionários brasileiros e estrangeiros. Fecharam esse acordo sem
qualquer participação da União, que é quem, em última análise, paga a conta de
seu pretenso heroísmo global e repassaram recursos nacionais sem autorização do
Senado. Bonito, hein? Mas, claro, na visão umbilical corporativista de vocês, o
ministério público pode tudo e não precisa se preocupar com esses detalhes
burocráticos que só atrasam nosso salamaleque para o irmão do norte! E depois
fala de complexo de vira-lata dos outros!
O problema da soberba, colega, é que
ela cega e torna o soberbo incapaz de empatia, mas, como neste mundo vale a lei
do retorno, o soberbo também não recebe empatia, pois seu semblante fica opaco,
incapaz de se conectar com o outro.
A operação de entrega de ativos
nacionais ao estrangeiro, além de beirar alta traição, esculhambou o Brasil
como nação de respeito entre seus pares. Ficamos a anos-luz de distância da
admiração que tínhamos mundo afora. E vocês o fizeram atropelando a
constituição, que prevê que compete à Presidenta da República manter relações
com estados estrangeiros e não ao musculoso ministério público. Daqui a pouco
vocês vão querer até ter representação diplomática nas capitais do circuito Elizabeth
Arden, não é?
Ainda quanto a um Brasil diferente,
devo-lhes lembrar que "diferente" nem sempre é melhor e que esse
servicinho de vocês foi responsável por derrubar uma Presidenta constitucional
honesta e colocar em seu lugar uma turba envolvida nas negociatas que vocês
apregoam mídia afora. Esse é o Brasil diferente? De fato é: um Brasil que
passou a desrespeitar as escolhas políticas de seus vizinhos e a cultivar uma
diplomacia da nulidade, pois não goza de qualquer respeito no mundo. Vocês
ajudaram a sujar o nome do País. Vocês ajudaram a deteriorar a qualidade da
governação, a destruição das políticas inclusivas e o desenvolvimento
sustentável pela expansão de nossa infraestrutura com tecnologia própria.
E isso tudo em nome de um
"combate" obsessivo à corrupção. Assunto do qual vocês parecem não
entender bulhufas! Criaram, isto sim, uma cortina de fumaça sobre o verdadeiro
problema deste Pais, que é a profunda desigualdade social e econômica. Não é a
corrupção. Esta é mero corolário da desigualdade, que produz gente que nem
vocês, cheios de "selfrightousness", de pretensão de serem justos e
infalíveis, donos da verdade e do bem estar. Gente que pode se dar ao luxo de
atropelar as leis sem consequência nenhuma. Pelo contrário, ainda são aplaudidos
como justiceiros.
Com essa agenda menor da corrupção
vocês ajudaram a dividir o País, entre os homens de bem e os safados, porque
vocês não se limitam a julgar condutas como lhes compete, mas a julgar pessoas,
quando estão longe de serem melhores do que elas. Vocês não têm capacidade de
ver o quanto seu corporativismo é parte dessa corrupção, porque funciona sob a
mesma gramática do patrimonialismo: vocês querem um naco do estado só para
chamar de seu. Ninguém os controla de verdade e vocês acham que não devem
satisfação a ninguém. E tudo isso lhes propicia um ganho material incrível, a
capacidade de estarem no topo da cadeia alimentar do serviço público. Vamos
falar de nós, os procuradores da república, antes de querer olhar para a cauda
alheia.
Por fim, só quero pontuar que a
corrupção não se elimina. Ela é da natureza perversa de uma sociedade em que a
competição se faz pelo fator custo-benefício, no sentindo mais xucro. A
corrupção se controla. Controla-se para não tornar o estado e a economia
disfuncionais. Mas esse controle não se faz com expiação de pecados. Não se faz
com discursinho falso-moralista. Não se faz com o homilias em igrejas. Se faz
com reforma administrativa e reforma política, para atacar a causa do fenômeno
é não sua periferia aparente. Vocês estão fazendo populismo, ao disseminarem a
ideia de que há o "nós o povo" de honestos brasileiros, dispostos a
enfrentar o monstro da corrupção feito São Jorge que enfrentou o dragão. Você e
eu sabemos que não existe isso e que não existe com sua artificial iniciativa
popular das "10 medidas" solução viável para o problema. Esta passa
pela revisão dos processos decisórios e de controle na cadeia de comando
administrativa e pela reestruturação de nosso sistema político calcado em
partidos que não merecem esse nome. Mas isso tudo talvez seja muito complicado
para você e sua turma compreenderem.
Só um conselho, colega: baixe a bola.
Pare de perseguir o Lula e fazer teatro com PowerPoint. Faça seu trabalho em
silêncio, investigue quem tiver que investigar sem alarde, respeite a presunção
de inocência, cumpra seu papel de fiscal da lei e não mexa nesse vespeiro da
demagogia, pois você vai acabar ferroado. Aos poucos, como sempre, as máscaras
caem e, ao final, se saberá que são os que gostam do Brasil e os que apenas
dele se servem para ficarem bonitos na fita! Esses, sim, costumam padecer do
complexo de vira-lata!
Um forte abraço de seu colega mais
velho e com cabeça dura, que não se deixa levar por essa onda de
"combate" à corrupção sem regras de engajamento e sem respeito aos
costumes da guerra.
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