Para Carlos Rittl, secretário-executivo do
Observatório do Clima, possível não cumprimento do Acordo de Paris preocupa não
só o comércio internacional, mas o futuro do meio ambiente brasileiro
Rodrigo Castro
29/06/2019 - 09:00 / Atualizado em 29/06/2019 - 10:34
Antes mesmo do início dos encontros do G20 no
Japão, o presidente francês Emmanuel Macron e a chanceler alemã Angela Merkel
criticaram as políticas ambientais do governo Bolsonaro. Em resposta, o
presidente disse que a Alemanha “tinha muito a aprender com o Brasil”. Para
Carlos Rittl, secretário-executivo da ONG Observatório do Clima, os europeus
não só têm aprendido como também dão bons exemplos: “Enquanto nos últimos 30
anos as áreas de florestas alemãs vêm aumentando, perdemos duas Alemanhas em
florestas”.
Do país de Merkel, onde participou da Conferência
do Clima de Bonn nas últimas duas semanas, Rittl falou a ÉPOCA que o mundo está
preocupado com as políticas ambientais brasileiras. Segundo ele, o governo
precisa entender que “meio ambiente também é economia” e que não cumprir o
Acordo de Paris pode resultar em prejuízos a parcerias comerciais.
Qual a percepção da comunidade internacional sobre
as políticas ambientais de Bolsonaro?
Desde os discursos de campanha, houve uma impressão
muito forte de preocupação entre os chefes de Estados. A ameaça no discurso foi
tema de editorais em jornais do mundo inteiro, e isso continua a acontecer. Nos
bastidores, nos corredores, a preocupação é enorme. E isso ficou muito claro
nesses últimos dias com a manifestação de chefes de Estado, como a chanceler
Angela Merkel e o presidente Emanuel Macron. Não é apenas o meio ambiente que
está sob risco. Pelas mensagens deles, esperava-se que a partir do momento em
que ele assumisse seu mandato, houvesse mais responsabilidade, que ele se desse
conta da imensa responsabilidade que ele tem. Não em relação ao mundo, aos
temas do Acordo de Paris, mas principalmente em relação aos interesses da
sociedade brasileira.
Você de fato tem uma reestruturação da governança
socioambiental. No combate ao crime ambiental há uma redução de 70% no número
de operações na Amazônia em relação ao mesmo período do ano passado e uma queda
de 58% em todo o país. O risco não é só para as florestas ou a biodiversidade,
mas também para os direitos de povos indígenas sobre seus territórios e sua
segurança.
Isso abala a diplomacia com esses países em algum
nível?
Abala a imagem de nosso país e a reputação de
nossas empresas. Merkel e Macron estão preocupados com quão confiável é o
Brasil como parceiro comercial. E a reação do próprio presidente quando diz que
a Alemanha tem muito a aprender com o Brasil... A Alemanha tem bastante a
aprender com o Brasil, e inclusive tem aprendido, porque os dois países são
parceiros na área ambiental há décadas. Só que, enquanto nos últimos 30 anos a
área de várias florestas alemãs, que é menor do que as brasileiras, vem
aumentando, o Brasil perdeu, nesse mesmo período, duas Alemanhas em florestas.
E, se o desmatamento aumentar, é um sinal de que a gente está perdendo o
controle. E a agenda antiambiental do governo Bolsonaro vai ser destruidora não
apenas de florestas e biodiversidade, mas também de participação em negócios
para o Brasil.
O general Heleno reforçou a declaração de
Bolsonaro, dizendo que esses países têm interesse em explorar nossas
florestas...
Tem de juntar outra declaração do general Heleno,
em que ele diz que esses que reclamam do desmatamento devem procurar sua turma.
Não foram esses países que procuraram o Brasil para que entrasse na OCDE. O
Brasil que apresentou sua candidatura.
É importante levar isso em consideração porque se o
Brasil pretende se relacionar com esses países de maneira mais próxima, é
preciso entender que questões econômicas são importantes, mas, além disso,
agendas como direitos humanos, a questão ambiental e o cuidado com o meio
ambiente estarão sempre na mesa.
Como num possível fechamento de um acordo entre os
blocos do Mercosul e da União Europeia, em que o acordo comercial estará
condicionado ao atendimento de exigências. Meio ambiente é também interesse
econômico. A agenda de Paris não é só uma agenda do clima, mas de
desenvolvimento. A Alemanha coopera com o Brasil e vem há muito tempo ajudando
a fortalecer instituições de pesquisa no Brasil. É uma das doadoras do Fundo
Amazônia, visando apoiar o país em suas ações voltadas à conservação. O general
Heleno foi chefe de comando militar na Amazônia. Ele conheceu de perto a
realidade e falava há dez anos que o Brasil precisava definir suas prioridades
de desenvolvimento para a Amazônia, que deveria ser sustentável. Para isso era
necessária a presença do Estado. E é necessário ainda, mas o Brasil não detém
as possibilidades de seguir um caminho de desenvolvimento sustentável.
A gente não vai conseguir convencer ninguém de que
o país cuida bem de seus recursos naturais nesse momento de crise climática
pelo qual passa o planeta se o desmatamento subir. O governo pode até
eventualmente querer contar para o mundo que tem mais florestas do que outros
países, mas não vai colar.
As invasões a terras indígenas, muitas vezes seguidas de queimadas, aumentaram 150% desde a eleição de Bolsonaro, segundo o Conselho Indigenista Missionário. Foto: Tommaso Protti / Greenpeace
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