A tragédia da República exposta por Fachin
Neste momento, enquanto a Lava Jato estrebucha em praça pública, os protagonistas do sistema de justiça e da mídia lambem suas feridas
Os ministros Roberto Barroso e Edson Fachin cumprimentam-se na cerimônia de posse no Tribunal Superior Eleitoral.
Os ministros Roberto Barroso e Edson Fachin cumprimentam-se na cerimônia de posse no Tribunal Superior Eleitoral.ROBERTO JAYME/ASCOM TSE
JOÃO FERES JÚNIOR
12 MAR 2021 - 16:00
A opinião pública nacional está mobilizada em torno do Supremo Tribunal Federal nestes dias, devido a dois julgamentos em sequência que abalaram o jogo político. No dia 8 de março, o ministro Edson Fachin monocraticamente anulou todas as condenações perpetradas pela 13ª Vara Federal de Curitiba contra Lula, argumentando a incompetência de Sergio Moro para julgar os casos. Atualmente, corre na Segunda Turma do STF, sob a presidência de Gilmar Mendes, votação do pedido de declaração de parcialidade do ex-juiz na condenação de Lula no caso do tríplex de Guarujá.
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A demonstrator wearing a mask to curb the spread of the new coronavirus and wearing a headband with text in Portuguese that reads "Bolsonaro out" raises a sign that reads "Justice for Lula," in reference to former Brazilian President Luiz Inacio Lula da Silva, during protest commemorating the Supreme Court's decision to suspend proceedings against Lula, in front of the Supreme Court building in Brasilia, Brazil, Monday, March 8, 2021. (AP Photo/Eraldo Peres)
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Deixarei para os supremologistas comentários sobre o comportamento desesperado do ministro Fachin, primeiro produzindo uma decisão que surpreendeu até a defesa de Lula, e, depois, fazendo o possível para evitar que Moro fosse julgado suspeito, o que incluiu tentativa de atropelar o presidente da Segunda Turma, Mendes.
Petistas, simpatizantes de Lula, a esquerda em geral e todos aqueles que viam a Lava Jato como um atentado ao Estado de direito em nosso país, festejaram efusivamente a decisão de livrar o ex-presidente de ser condenado em processo altamente irregular. Mas se por um lado a decisão de Fachin faz justiça a Lula, por outro ela expõe o alto estado de degradação ao qual chegou a República brasileira.
Vejamos, o argumento usado pelo ministro foi de que a Justiça Federal do Paraná, da qual Moro era magistrado titular, não tinha jurisdição sobre o caso. Em outras palavras, haveria violação do preceito constitucional do juiz natural. Ora, esse foi um dos primeiros argumentos levantados pelos advogados de Lula no caso, senão o primeiro. Ele foi solenemente ignorado por Moro, pelo TRF-4 (segunda instância), pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelo STF até esta semana. A denúncia foi aceita por Moro em setembro de 2016 e somente quatro anos e meio depois é que a justiça atentou para esse vício no fundamento do processo? Isso mostra o alto grau de disfuncionalidade do Judiciário brasileiro, poder com os maiores salários do Estado, e que se arroga o papel de guardião dos valores da República.
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É claro que a decisão de Fachin pode ser estendida para boa parte da Operação Lava Jato, que no conforto da pacata cidade de Curitiba, entre jantares e indiscrições trocadas ao pé do Telegram, tiveram o procurador chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, e o juiz Moro como grandes protagonistas. A omissão do sistema de justiça perante os desmandos da Lava Jato teve, do ponto de vista político, consequências muito mais graves do que o desperdício de recursos com anos de condução de procedimentos espúrios e injuriosos para as partes afetadas.
A Lava Jato foi a principal ferramenta política usada por partidos de direita, grupos de interesse e grande imprensa em uma campanha para varrer o PT da presidência da República e cancelar seu principal expoente político, Lula. Foi fundamental na legitimação do impeachment de Dilma Rousseff, no processo que levou à condenação e prisão de Lula e, o que é mais importante, na cassação de seus direitos políticos às vésperas do pleito presidencial de 2018. Ou seja, se não bastasse ter fornecido a narrativa para Bolsonaro se apresentar como campeão da antipolítica, e, portanto, da luta contra a corrupção, e de adubar fartamente a demonização do PT, a Lava Jato, sempre noticiada com grande fanfarra para toda a nação, conseguiu eliminar da disputa aquele que provavelmente era o único político naquele momento capaz de derrotar Bolsonaro.
Mas se os desmandos do sistema de justiça frente à Lava Jato são responsáveis pela tragédia política que, muito além da tragédia pessoal de Lula, conduziu à eleição de Bolsonaro, então seriam eles responsáveis pela enorme crise política, econômica e moral que ora atravessamos, em plena pandemia governados por obscurantistas, celerados e incompetentes?
Neste momento, enquanto a Lava Jato estrebucha em praça pública, os protagonistas do sistema de justiça e da mídia lambem suas feridas, ainda incertos acerca do caminho a tomar. E as forças políticas, chacoalhadas pela decisão de Fachin, tentam calcular o que representará a volta de uma figura com o capital político e popularidade de Lula ao jogo. Façam suas apostas!
João Feres Júnior é cientista político do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e coordenador do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB).
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