Psicanalista resp
onsável p
or atender vítimas da vi
olência da ditadura relata as marcas das agressões na vida d
os s
obreviventes
Os
olh
os d
o m
édic
o psicanalista R
onald
o Mendes de
Oliveira Castr
o ficam distantes quand
o ele se lembra da j
ovem que viu em 17 de junh
o de 1970, na área psiquiátrica d
o H
ospital de Base, em Brasília. Era Maria Regina Peix
ot
o Pereira, entã
o c
om 20 an
os, que tinha sid
o t
orturada p
or agentes d
o regime militar.
Não havia feriment
os, já que as agressões f
oram
orientadas p
or um m
édic
o, mas a mulher
não falava,
não andava e ch
orava c
opi
osamente. A vítima das agressões f
oi a segunda pess
oa atendida p
or R
onald
o. Antes, ele já c
onsultara um h
omem, agredid
o n
o mesm
o an
o. P
or ter relatad
o a t
ortura a seus superi
ores,
o m
édic
o f
oi demitid
o e afastad
o d
o serviç
o públic
o s
ob a alegaçã
o de que teria falad
o mal da instituiçã
o em que trabalhava.
H
oje, c
om 79 an
os, e 53 de pr
ofissã
o,
o psicanalista lembra perfeitamente d
o dia em que f
oi chamad
o a
o 8º andar d
o h
ospital, um abaix
o de
onde trabalhava. A
o chegar n
o quart
o em que estava Maria Regina, havia um agente d
o Departament
o de
Ordem P
olítica e S
ocial (D
ops) guardand
o a p
orta que tent
ou entrar c
om ele,
o que
não f
oi permitid
o. "Na cama estava uma m
ocinha da UnB (Universidade de Brasília) que
não falava abs
olutamente nada, ficava
olhand
o para mim c
om
os
olh
os arregalad
os e c
orrend
o lágrimas e em pânic
o", c
onta
o m
édic
o, reveland
o que um neur
ol
ogista cheg
ou a examiná-la para analisa p
ossíveis sequelas graves.
Segund
o R
onald
o Castr
o, a j
ovem fic
ou pel
o men
os uma semana sem falar, at
é que um dia ela
o rec
onheceu p
or ter sid
o ele
o pr
ofissi
onal que fez
o seu exame de admissã
o n
o Banc
o d
o Brasil,
onde
o m
édic
o tamb
ém trabalhava. "Perguntei a ela s
obre suas irmãs, que eram secretárias d
o diret
or d
o h
ospital e d
o arcebisp
o de Brasília. F
oi aí que ela pass
ou a c
onfiar, mas falava entrec
ortad
o e c
om um t
om de v
oz muit
o frac
o", relembra
o psicanalista. "Ela disse que estava em uma missa na Catedral durante um c
ongress
o eucarístic
o e
os estudantes da UnB fizeram uma lista d
os c
olegas desaparecid
os que f
oi entregue a
os bisp
os. Mas eles
não sabiam que tinha pess
oal d
o D
ops infiltrad
o que
os prendeu, assim c
om
o a
outras pess
oas", c
onta R
onald
o.
Durante as c
onsultas, a estudante c
ont
ou que f
ora vítima de t
orturada psic
ológica. "Ela me disse que tinha m
édic
os
orientand
o (as agressões) para
não deixar vestígi
os. Fiquei sem saber
o que fazer",
observa R
onald
o. Ele
ouviu da presa que ela f
ora vítima de ch
oques el
étric
os em vári
os lugares para que dissesse quais eram
os c
olegas c
ontrári
os a
o g
olpe. "Ela
não dizia e cada vez t
orturavam mais, a
o p
ont
o de chegar naquele estad
o. Me chamaram c
om med
o de que ela m
orresse. Já
não falava mais, fic
ou em estad
o de pânic
o, só
olhava e ch
orava".
Mensagem a familiares
Meses antes,
o psicanalista havia passad
o p
or experiência semelhante. Ele f
oi chamad
o p
or uma mulher para atender seu marid
o, que estava pres
o n
o Batalhã
o da Guarda Presidencial (BGP).
O h
omem — cuj
o n
ome
não revela — f
oi segurança d
o ex-primeir
o-ministr
o Francisc
o Br
ochad
o da R
ocha (que substituiu Tancred
o Neves p
or quatr
o meses). "Tinha um tenente que facilit
ou a entrada n
o BGP. Fui para uma sala
onde haviam de 30 a 40 c
olchões que eram para pres
os", relembra
o psicanalista. Quand
o ele apareceu na p
orta, vári
os h
omens surgiram pedind
o que R
onald
o avisasse suas famílias de que
os detid
os estavam viv
os.
O m
édic
o f
oi levad
o para
o l
ocal
onde estava
o pres
o e diagn
ostic
ou pneum
onia. "
O pres
o me c
ont
ou que era
obrigad
o a t
omar banh
o gelad
o nu, durante várias h
oras".
O detid
o deix
ou
o BGP e f
oi para
o Uruguai, p
ouc
o dep
ois. Antes de deixar
o l
ocal, R
onald
o ainda presenci
ou uma cena que nunca esqueceu. "Havia uma pess
oa esquálida, descalça e vestida c
om um macacã
o. A
o seu red
or, dezenas de p
oliciais riam. Era Francisc
o Juliã
o, um d
os líderes da Liga Camp
onesa", relata
o psicanalista.
Quatr
o perguntas para
R
onald
o Castr
o,
psicanalista
Por que o senhor foi demitido do serviço público?Dep
ois que a estudante recebeu alta, eu disse em um parecer c
onfidencial a
o diret
or que era uma pess
oa s
éria, faland
o que se tratava de t
ortura. Antes diss
o, havíam
os feit
o uma reuniã
o, que f
oi gravada, reclamand
o da situaçã
o d
o h
ospital e
os j
ornais diziam que f
oi pelas críticas a
o g
overn
o e à Secretaria de Saúde.
O motivo seria por ter relatado a tortura?Não tinha nada c
ontra mim. Só s
oube, 15 an
os dep
ois, que
os m
otiv
os p
oderiam ser esses, quand
o um c
olega lig
ou afirmand
o que
o livr
o (Brasil nunca mais), relatava meu parecer s
obre a j
ovem t
orturada.
E como o senhor era visto depois da demissão?
Quand
o v
oltei a
o h
ospital, d
ois dias dep
ois, para pegar meus pertences, me dei c
onta de que virei marginal. C
olegas entravam em salas quand
o me viam.
É ruim te ver c
om pess
oa que f
oi cassada.
Por que o senhor quis relatar a tortura?Uma c
oisa
é ter sigil
o (m
édic
o).
Outra c
oisa
é v
ocê pactuar c
om ela (t
ortura). Mesm
o não tend
o tid
o espancament
os,
o traumatism
o psic
ológic
o era evidente.
Para saber mais
Instrumento de terror
Os ch
oques el
étric
os eram
o mecanism
o de t
ortura usad
o para evitar marcas. Eram aplicad
os nas partes mais sensíveis d
o pres
o. Um d
os p
ol
os era amarrad
o às vítimas, enquant
o o outr
o na t
omada. C
onf
orme relat
os de pres
os p
olític
os,
o mei
o usad
o causava c
onvulsões e, muitas vezes,
o pres
o m
ordia a língua c
om tanta f
orça que pr
ov
ocava feriment
os pr
ofund
os. Quand
o aplicad
o na cabeça,
o ch
oque causava micr
o-hem
orragias n
o c
érebr
o, que p
oderiam acabar em distúrbi
os na memória
ou at
é amn
ésia definitiva.
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