terça-feira, 4 de novembro de 2025
Desembargador de SC manda carta à moradora do Complexo da Penha: ‘Estou andando ao seu lado’
Amanda Miranda
Formada pela UFSC, com mestrado em educação científica e doutorado em Jornalismo na mesma instituição. Tem pós doutorado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Servidora pública federal e ativista pelo direito à informação, tem se dedicado a monitorar mandatos extremistas bolsonaristas.
Colunistas ICL
Desembargador de SC manda carta à moradora do Complexo da Penha: ‘Estou andando ao seu lado’
Magistrado tomou posse em março e viralizou com discurso sobre ameaças do fascismo
04/11/2025 | 06h58
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Desembargador de SC manda carta à moradora do Complexo da Penha: ‘Estou andando ao seu lado’
O desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), João Marcos Buch, conhecido durante seu período na Vara de Execuções Penais de Joinville por enviar cartas a detentos e seus parentes, redigiu um longo texto para uma mulher desconhecida no Rio de Janeiro. “Dona Nice” está a quilômetros de distância, mas enfrenta uma realidade que, na magistratura, ele tenta combater.
A senhora, abordada por uma emissora de televisão enquanto retornava para casa após a Operação que vitimou 121 pessoas no Rio de Janeiro, fez com que o magistrado se sentisse profundamente comovido. Ao longo da carta, ele cita ação conhecida como “ADPF das favelas”, que ele considera não ter sido “muito bem respeitada” pelas forças de segurança.
Buch explica, no texto, pontos que fazem parte da lei e que podem ter sido violados. Entre eles estão o uso proporcional da força, câmeras nas viaturas, elaboração de um plano de reocupação de territórios invadidos por organizações criminosas e a entrada da Polícia Federal nas investigações contra milícias e tráfico de drogas interestadual e internacional.
O magistrado, cujo discurso de posse como desembargador viralizou nas redes sociais no início do ano ao mencionar o termo “fascismo”, também escolhe o termo “chacina” para falar sobre a operação e suas consequências “extremamente letais sobre as comunidades marginalizadas”.
No texto, ele também questiona a “fórmula do confronto”, que considera “fadada ao fracasso”. “Por que é tão difícil que governos e autoridades entendam que somente políticas públicas inclusivas, articuladas à segurança pública, podem trazer benefícios reais para toda a sociedade?”.
Leia a íntegra da carta, repassada à colunista:
Uma carta para dona Nice
Querida dona Nice,
escrevo-lhe com afeto e respeito.
Meu nome é João Marcos, moro em Santa Catarina e trabalho com a Justiça. Sou desembargador, nome dado a juízes que atuam em recursos nos tribunais.
Na última terça-feira, vi sua entrevista no jornal da TV. A senhora voltava para casa, com sacolas de supermercado nas mãos, e foi parada por uma repórter que queria saber sobre a chacina ocorrida mais cedo nos complexos da Penha e do Alemão, onde mais tarde se viria a constatar que 121 pessoas (pode ser além) haviam sido mortas, na mais sangrenta intervenção da segurança pública já ocorrida no Rio de Janeiro e no Brasil dos tempos atuais.
Sua entrevista me marcou profundamente. Moradora desde sempre da Penha, a senhora disse que já não tinha mais esperança, que, nessa altura da vida, tendo visto tanta tragédia, tantas operações policiais, tantas pessoas próximas assassinadas, não acreditava mais que um dia a vida melhoraria — tudo era tristeza. Em seguida, a senhora se despediu da repórter e retomou seu caminho para casa, cambaleante, cansada, segurando as sacolas.
Hoje já é domingo; faz cinco dias que eu penso na senhora, faz cinco dias que estou andando ao seu lado, faz cinco dias que tento carregar as suas sacolas até sua casa. Por isso, querida Dona Nice, com o coração inquieto, mesmo sem saber nada da sua vida, senão o fato de que a senhora perdeu a esperança, resolvi lhe escrever.
Eu sei que esta carta nunca chegará a seu destino, pois nunca a postarei. Impotente que sou para modificar um átomo de sua vida e para lhe oferecer uma centelha de esperança, escrevo-lhe porque não consigo fazer diferente, porque não sei mais se a esperança também me abandonou.
Assim como nas favelas de Florianópolis, já estive em favelas do Rio; já me encharquei da beleza e da bondade de pessoas que tão bem me acolheram. E já testemunhei muita dor e injustiça. Entretanto, o fato é que nada mais conheço, além de que a vida de quem mora nessas comunidades periféricas é carente de direitos e de oportunidades.
Sabe, Dona Nice, sempre tive o cuidado de não me arvorar em senhor das verdades, e me incomoda muito ver quem acha que sabe de tudo — cegado por redes sociais e algoritmos —, pessoas com quem é impossível argumentar com base em fatos e lógica. É desolador ouvir suas vozes celebrando a chacina, justificando o horror com acusações sem conhecimento de causa sobre crimes antes cometidos. De onde vem esse ódio? De que veneno se alimentam esses seres humanos? Onde está sua bondade, sua compaixão?
Fico a pensar o que essas manifestações causam na senhora, que tanto já testemunhou e viveu. Será que a senhora ainda chora, ainda se revolta com a opressão e a violência que sua comunidade sofre? Essa chacina, para mim, que vivo em um apartamento confortável, localizado em um bairro seguro, saneado, arborizado, com espaços de cultura e lazer, provocou espanto, lamento e indignação. Porém, quando a pessoa tem sua dignidade tão ferida e há tanto tempo, ela acaba perdendo a consciência de que aquela situação fere de morte seus direitos. Então, não sei o quanto isso tudo lhe afetou; só sei que a esperança lhe foi roubada.
Em meus estudos e em meu trabalho, aprendi algo sobre o fenômeno da violência urbana. Depois de algum tempo procurando entender nossa sociedade, tomei conhecimento de que a fórmula do “confronto” na segurança pública é fadada ao fracasso (a senhora sabe disso bem antes de mim). Essa fórmula ceifa vidas de todos os lados e não supera as dificuldades das comunidades vulnerabilizadas. Por que é tão difícil que governos e autoridades entendam que somente políticas públicas inclusivas — de habitação, saneamento, saúde, educação, empregabilidade, cultura e lazer — articuladas à segurança pública, podem trazer benefícios reais para toda a sociedade?
No país, nós temos o Supremo Tribunal Federal (STF). Pois bem, a mais alta corte da Justiça definiu, em uma ação proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (ADPF n.º 635, conhecida como ADPF das Favelas), que o governo do Rio deve seguir diversas regras nas operações policiais, como o uso proporcional da força, câmeras nas viaturas, elaboração de um plano de reocupação de territórios invadidos por organizações criminosas, bem como a entrada da Polícia Federal nas investigações contra milícias e tráfico de drogas interestadual e internacional. Olha, Dona Nice, parece que o Supremo não foi muito bem respeitado. Creio, inclusive, que logo logo autoridades terão de prestar contas.
Aliás, até a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do seu Alto Comissariado dos Direitos Humanos, declarou que essa operação policial — que eu chamo de chacina — ampliou a tendência de consequências extremamente letais sobre as comunidades marginalizadas e enfatizou que as autoridades têm obrigação perante as leis internacionais de direitos humanos.
Mas o que isso importa, não é? A chacina já aconteceu, vidas foram ceifadas, até policiais morreram — e não consigo imaginar a dor das famílias que tiveram seus entes sequestrados de suas vidas para todo o sempre.
Ainda sinto que um dia a justiça alcançará a todos os cidadãos, que as instituições funcionarão conforme a Constituição e que a dignidade da pessoa humana será, em definitivo, fundamento da República.
Dona Nice, inspirado na leitura de um livro chamado Antes que as Palavras te Abandonem, de um grande amigo, Leonardo Tônus, em que um imigrante, à procura de um amigo refugiado afegão em Berlim, escreve-lhe cartas, eu lhe digo que, se pudesse, eu a abraçaria e afirmaria, com o coração aberto, que não importa mais o resultado da luta, mas a capacidade de entender o seu chamado.
Dona Nice, neste Brasil tão sangrento, de séculos de escravidão, racismo, patriarcado e colonialismo, não tenho o direito de lhe pedir que volte a ter esperança. Entretanto, ouso lhe pedir outra coisa: atenda nosso chamado, não desista de mim, não desista de nós, não desista da humanidade.
Querida Dona Nice, a senhora é a nossa esperança, volte,
João Marcos Buch
Desterro, 02/11/25 – finados
domingo, 2 de novembro de 2025
BASTA DE FAZER POLÍTICA COM SANGUE
Basta de fazer política com sangue
Em Gaza ou na Penha, a dor de uma só mãe é a dor de todas
Jandira Feghali
Jandira Feghali
1 nov 2025 - 05h00
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Tomaz Silva/Agência BrasilBasta de fazer política com sangue
Em junho, escrevi um artigo para a Carta Capital que intitulei “Todas as Mães Pensam em Gaza”. Naquele momento, tentava imaginar a dor das mulheres palestinas, destinadas a ver seus filhos morrerem em meio às bombas e aos tiros israelenses. Nesta quinta-feira, na Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, esta dor se materializou, desgraçadamente, na minha frente no choro incontido de dezenas de mulheres cariocas, a quem foi negado, no mínimo, o direito de ver seus filhos presos, e não mortos, meros números da maior chacina deste século no Brasil.
Em Gaza ou na Penha, a dor de uma só mãe é a dor de todas. E esta dor me atravessou profundamente ao ouvir os relatos do pesadelo sem fim que estas mulheres estão vivendo desde terça-feira, quando 2,5 mil policiais entraram nos complexos da Penha e do Alemão e mataram ao menos 121 pessoas, sob o pretexto de prender o traficante Doca e de livrar o território do crime. O bandido continua à solta e as comunidades, aprisionadas pelo medo.
Mas, para o governador do Rio, Cláudio Castro, a “operação” foi um sucesso, à exceção dos quatro policiais que ele enviou para a morte – um deles tinha apenas 40 dias na corporação. Castro empilhou corpos para montar um palanque eleitoral e tentar mudar a pauta da política, que, claramente, colocava a extrema direita na defensiva nos últimos meses.
Frieza ideológica
Ao dizer que as únicas quatro vítimas da chacina foram os policiais, o governador infligiu uma dor extra às mães do Alemão e da Penha. Pude ver, ao lado de colegas parlamentares e de duas ministras de Estado, como estas mulheres vêm sendo revitimizadas desde então.
Primeiro, as ouvimos na sede da Central Única das Favelas (CUFA); depois, na frente do Instituto Médico Legal (IML). Histórias que nenhuma mãe e nenhum pai gostariam de ouvir. “Nenhuma mãe cria o filho para isto”, repetia uma mulher na unidade do Detran, ao lado do IML, que passou a servir de local de atendimento para os familiares dos mortos, tamanha a quantidade de corpos.
Uma outra não conseguia autorização para ver o corpo decapitado do filho. Uma terceira contava como dois irmãos foram encontrados abraçados na mata, mortos com tiros na nuca. E eu, que sou mãe também, fiquei estarrecida com a frieza ideológica da subsecretária de Polícia, Andréa Menezes, responsável pelas perícias no IML, insensível à dor daquelas mulheres, de quem parecia querer distância. Chegou a dizer que nunca viverá uma situação dessas, pois sabe “criar bem” os filhos. Inominável.
Jandira foto pablo porciuncula afp
Moradores da Penha choram seus mortos (Foto: Pablo Porciúncula/AFP)
Infelizmente, como esta senhora do IML, parte da população do Rio, como de todo o país, maltratada pela recorrente ausência de políticas estaduais sérias de segurança pública, também acredita na velha falácia do “bandido bom é bandido morto”. Para estas pessoas, ser preto e morar numa favela são crimes hediondos; o fato de não haver pena de morte no Brasil é mero detalhe (e o racismo se esconde nos detalhes).
Objetivos eleitoreiros
Cláudio Castro também pensa assim, mas seu papel é ainda mais venenoso: ele transforma operações policiais em espetáculos de assassinato em busca de votos. Nessa repetição de justiçamentos deliberados, que ele chama de “combate ao crime”, o governador autorizou 890 mortes em chacinas policiais em cinco anos de governo, segundo o Instituto Fogo Cruzado.
Mas há outro detalhe ardiloso nas mentiras que Castro passou a contar sobre o Rio estar “sozinho na luta contra o crime”, numa tentativa de jogar a culpa de seus crimes no governo federal. O uso planejado da palavra “narcoterrorismo” surgiu em seus discursos e de outras autoridades estaduais. Logo em seguida, foi emulado nas redes bolsonaristas e ecoadas por parte da imprensa corporativa.
Enquanto estávamos na Penha nos solidarizando com os familiares das vítimas, governadores de direita, todos de olho em prejudicar o governo Lula com objetivos eleitoreiros, vieram prestar solidariedade a Castro em seu palácio. Todos repetiram a palavra “narcoterrorismo”.
Após meses de revezes, o campo bolsonarista tenta se reorganizar em torno do discurso do medo. Formaram um “consórcio da paz”, que celebra a morte, e se articulam para pautar um projeto de lei que equipara facções a grupos terroristas – como uma forma de possibilitar uma intervenção imperialista de “guerra ao terror” dos americanos, perigosamente voltada para a América Latina no desgoverno Trump.
Com isso, miram três alvos simultâneos: atrapalhar a retomada do bom relacionamento entre Brasil e EUA (minada pelas fake news bolsonaristas); forçar uma interferência descabida em nossa soberania (não podemos esquecer o pedido de Flavio Bolsonaro para que os EUA bombardeassem o Rio); e encaixar uma pauta populista e extremista para as eleições do próximo ano.
Truculência e espetáculo
É preciso desmontar as mentiras golpistas da extrema-direita, que tanto mal têm feito ao país nos últimos anos. E dizer à população que há, sim, alternativa para derrotar o crime organizado, e ela já vem sendo aplicada pelo governo federal, de forma integrada entre Polícia Federal, Ministério Público, Receita Federal e outros órgãos públicos, como na Operação Carbono Oculto, que desarticulou o esquema financeiro do PCC no setor de combustíveis sem dar um tiro.
A PEC da Segurança, proposta pelo governo Lula, articula a coordenação nacional no combate ao crime organizado. Mas Castro e seus governadores aliados do “consórcio da paz” não querem saber disso por motivos, mais uma vez, eleitoreiros e temerosos da descoberta de ligações econômicas e políticas com o crime.
Está provado que inteligência e planejamento são mais eficazes que truculência e espetáculo. Fazem justiça, não justiçamento. E justiça é o mínimo que devemos às mães do Alemão e da Penha que tiveram seus filhos, criminosos ou não, mortos num tribunal de exceção. Vamos combater, de fato, o crime e retirá-lo do comando dos territórios do nosso estado. Não existe pena de morte no Brasil. Basta de fazer política com sangue.
quinta-feira, 30 de outubro de 2025
CHACINA MAIS LETAL
CHACINA MAIS LETAL
Entenda em 16 pontos o desastre da megaoperação no Alemão e na Penha, por Jacqueline Muniz
Desastre da operação policial escancarou o improviso e o populismo na gestão da segurança pública de Claudio Castro
29.out.2025 às 10h22 Rio de Janeiro (RJ)
Jacqueline Muniz
Entenda em 16 pontos o desastre da megaoperação no Alemão e na Penha, por Jacqueline Muniz
Familiares choram sobre os corpos encontrados em área de mata e enfileirados na Praça São Lucas, na Penha - Tomaz Silva/Agência Brasil
Passei o dia inteiro concedendo entrevistas para explicar a irresponsabilidade dos governantes e o desastre operacional de uma operação policial que escancarou o improviso e o populismo na gestão da segurança pública. Estas são 16 apreciações provisórias à espera de mais dados. E espero seguir subsidiando a discussão sobre maior operação solitária do Rio e com a maior letalidade já produzida até agora.
1. Abandono da população e exposição ao risco
A operação deixou sem policiamento cerca de cinco milhões de moradores, imobilizando 2.500 policiais para pronto emprego, o que implica em alterar a escala de cerca de 10 mil policiais e mantê-los em prontidão. Um volume de efetivo superior a muitas polícias estaduais e sem capacidade de manter a sua mobilização e o seu empenho além de um curto período de tempo. Esse contingente concentrado num único perímetro da cidade imobilizou efetivos policiais para além das pernas estaduais. E, assim, abriu brechas para a ocorrência de crimes violentos oportunistas e ataques pontuais e previsíveis de grupos armados em represália. E, ainda, o mais óbvio: encurtou o tempo de sustentação da própria operação, maximizando os riscos de sua execução. O resultado foi o aumento da vulnerabilidade coletiva, a ampliação do medo e o comprometimento dos serviços de segurança pública na região metropolitana.
2. Aumento da letalidade e da vitimização
A operação foi conduzida, em sua maioria, com agentes generalistas que não trabalham em unidades especializadas e nem têm qualificação em operações policiais de alto risco. Em boa medida, são policiais convencionais que tocam a rotina burocrática, investigativa e ostensiva, e não apresentam padrão elevado de tiro defensivo por modalidade de tiro policial e por tipo de armamento. Eles, por razões profissionais, atuam em guarnições pequenas ou em tropas e não como corpos táticos. E, desta forma, eles não dispõem de disciplina tática e nem especialização para cenários de alto risco. Este improviso feito pela convocação de policiais sem expertise e preparo técnico adequado para operações policiais especiais amplificou as chances de letalidade e vitimização, entre policiais e civis. O que multiplicou a insegurança profissional e institucional, a oportunidade de balas achadas e/ou perdidas e de agentes expostos indevidamente. Isto revela a manipulação de policiais como mercadorias políticas e o barateamento de suas vidas tal qual a vida dos moradores das periferias de onde saíram a maioria dos agentes fluminenses.
3. Paralisação da cidade, colapso da mobilidade e produção de pânico e insegurança
A ação inviabilizou a circulação de pessoas, bens, mercadorias e serviços. O bloqueio territorial descoordenado imposto em uma área com cerca de 200 mil habitantes e aproximadamente 500 mil transeuntes em 5,2 km² gerou colapso urbano, atingindo diretamente o funcionamento cotidiano da cidade, impondo-lhe prejuízos econômicos, políticos e sociais. Isto produziu mais insegurança pública. O espetáculo bélico agravou o temor coletivo, alimentou o pânico moral e disseminou a percepção generalizada de insegurança. Em vez de esfriar a chapa e garantir a rotina na cidade, a previsibilidade e a regularidade das ações policiais, o governo produziu medo e desorientação social. E, ainda, comprometeu a produção e a distribuição de riquezas, impondo prejuízos existenciais e materiais à população da região metropolitana.
5. Comprometimento da capacidade de resposta
A mobilização desmedida e insustentável do efetivo de 2.500 agentes estaduais comprometeu a capacidade ostensiva e de pronta resposta das emergências 190 e 192, prejudicando o atendimento a ocorrências reais em outras áreas da cidade, como assaltos, agressões, acidentes de trânsito, deixando milhares de moradores à deriva, entregues à falta de policiamento e de presteza de socorro frente às suas demandas emergenciais.
6. Sabotagem do trabalho de Inteligência e Investigação
Ao levar à morte 64 pessoas, suspeitas ou não, a megaoperação terminou por sabotar o trabalho de inteligência e investigação das próprias polícias. Afinal, os mortos, se forem de fato “criminosos”, seriam justamente aqueles que poderiam revelar as parcerias entre Estado e crime, a troca de favores com as clientelas de baixo, ao lado e de cima, destruindo as possibilidades de elucidação das redes criminosas e de quem são os patrões, sócios e funcionários saídos do Estado e da política e que, por sua vez, conformam esta economia política criminosa.
7. Esgotamento do recurso repressivo
O uso politiqueiro, banalizado e desordenado das operações policiais — um recurso caro e nobre que produz repressão qualificada e com foco — gerou o próprio esgotamento da capacidade repressiva das polícias militar e civil, que passam a ser incapazes, a curto e médio prazos, de sustentar resultados da repressão que elas mesmas produziram.
Cabe lembrar que polícia é uma força diuturna e de pronto emprego e que, por isso, não tem estoque de repressão, sendo continuadamente empregada em cada ação policial efetiva. Ou seja, não existe estoque de repressão policial. Assim, o seu gasto desmedido, o seu abuso ou mau uso implica em esgotamento da própria capacidade de policiar. Este é um dos graves efeitos de operações feitas para espetáculo eleitoreiro.
Cabe também esclarecer que nenhuma operação, em nenhum lugar, é capaz de produzir controle de território e população por tempo indeterminado, pela natureza escassa do recurso repressivo policial. Assim, tal como explica a doutrina de operações policiais especiais, os efeitos das operações são pontuais e provisórios, limitados no tempo e no espaço e com alto custo operacional. Por isso, requerem planejamento e gestão altamente qualificados para que seus resultados sejam satisfatórios e seus ultrapassem o imediato da atuação.
8. Serviço prestado ao crime organizado
Não se deve matar as galinhas dos ovos de ouro da investigação e da inteligência. Paradoxalmente, ao matar 64 supostos bandidos, o Estado prestou um serviço ao crime organizado, eliminando possíveis integrantes de sua base criminal-comercial. Trata-se de uma mão de obra barata, precarizada e facilmente substituível, mas que custa para ser mantida de boca fechada dentro e fora das prisões. Os núcleos dirigentes do CV permaneceram intocados e protegidos com a troca de tiros da polícia com os soldados do tráfico. Estes, por sua vez, não podem recuar ou se renderem até que os gestores criminais tenham saído do território com o apoio de quem tem tiro certo, matrícula e passabilidade em qualquer lugar: agentes estatais parceiros do crime e milicianos.
9. Ineficácia operacional e manutenção do poder do CV
A operação pouco afetou a capacidade coercitiva do CV, tal como tem ocorrido nos últimos 40 anos no Rio de Janeiro. Afinal, a capacidade coercitiva do CV não depende do uso de fuzis no controle de perímetros geograficamente irregulares, sem campo de visão claro com ao menos 180 graus de rotação. Fuzis são muito pesados, têm baixa mobilidade e pouca vantagem em terrenos acidentados. Para o crime, é mais vantajoso, ao empregar mão de obra com baixa qualificação, o uso de armas automáticas com menor necessidade de especialização, mais leves, que qualquer um possa usar sem muito treinamento, que permitam atirar enquanto correm, pulam ou se movimentam, e com facilidade de recarregar também em deslocamento. Fuzis requerem mais habilidade, qualidade decisória e posição tática para bom rendimento. Não dá para aprender usar fuzil só com tutorial da internet. Na correria da trocação de tiros, são os primeiros a serem abandonados ao longo do caminho, colaborando com o saldo operacional, atrasando a polícia e dando mais agilidade nos deslocamentos criminosos.
10. Planejamento politiqueiro e desrespeito a protocolos
Sob ingerência eleitoreira, o planejamento da operação conjunta parece ter ignorado os protocolos de operações policiais das próprias PCERJ e PMERJ, elaborados em 2018, e que determinam parâmetros técnicos de planejamento, comando e controle e avaliação de desempenho operacional por grupo tático. Se as polícias tivessem ouvido apenas seus protocolos, os resultados não seriam a morte de 64 indivíduos, a multiplicação da insegurança pública e a paralisia da vida no Rio de Janeiro. Cabe enfatizar que existe doutrina de operações policiais internacional e das polícias estaduais, bem como critérios técnico-científicos de aferição de desempenho.
11. Desinformação e ausência de comando
Sem uma sala de operações para alimentar os meios de comunicação e informar a população sobre o que se passava no decorrer da operação e das mudanças na ordem urbana, imperaram os boatos, os rumores e a desinformação — as verdadeiras fontes da insegurança pública. Isso favoreceu o desespero e o caos, paralisando os serviços essenciais na cidade e deixando a população desorientada, perdida e vulnerável, entregue ao risco do tiroteio e de outras violências.
Faltou cadeia de comando e controle com coordenação. Aqui, mais uma vez, coube ao Estado criar a insegurança pública e multiplicá-la ao seu extremo. Nenhuma operação policial pode parar uma cidade. Isto é expressão de abuso e mau uso do poder de polícia por quem governa. Tratou-se de reproduzir a POLÍTICA DOS 3 S: primeiro dá SUSTO na população com polícia de espetáculo e de ostentação, depois demonstra SURTO de autoridade com bravatas, cara feia e peito de pombo e, por fim, promove SOLUÇOS operacionais que não tem sustentação no médio e longo prazos mas que possuem elevado efeito publicitário.
12. O dever de casa malfeito
O governante que cobra integração sequer fez o seu dever de casa: não integrou, nem articulou as próprias agências do Estado, nem buscou coordenar suas funções durante a operação. Em vez de agir de forma sistêmica e planejada, cada órgão foi deixado à deriva, entregue ao seu corporativismo, e o resultado foi o colapso do funcionamento público e o agravamento do temor coletivo.
a. Ministério Público (MP)
O MP deveria ter sido integrado desde a fase de planejamento, garantindo foco, legalidade e repressão qualificada. Cabe ao MP acompanhar a execução das operações, controlar o uso da força, definir prioridades investigativas e resguardar os direitos fundamentais, evitando a banalização da morte como política pública.
b. Defensoria Pública
A Defensoria deveria ter atuado junto com o MP, mantendo plantões itinerantes e canais de atendimento emergencial para a população atingida. Seu papel seria proteger moradores em situação de risco, orientar famílias de vítimas e garantir o acesso à Justiça nos casos de violações decorrentes da operação.
c. Corpo de Bombeiros Militar do Estado
O Corpo de Bombeiros Estadual deveria estar mobilizado para assegurar o pronto-socorro e atuar em resgates e emergências médicas durante a operação. Sem essa presença, vidas se perdem por omissão, e o socorro chega tarde — quando chega.
d. Guarda Municipal
A maior guarda municipal do país deveria ter sido acionada para ordenar o trânsito, desviar linhas de ônibus, orientar fluxos de pedestres e impedir a paralisação total da cidade. Em vez disso, a cidade foi abandonada ao caos, sem controle de circulação nem apoio logístico.
e. Fiscais e Agentes de Trânsito
Os fiscais e agentes de trânsito deveriam ter sido integrados ao esquema operacional, atuando em conjunto com a guarda para liberar vias, sinalizar bloqueios e evitar o colapso urbano. Sua ausência reforçou o imobilismo logístico e o sentimento de abandono coletivo. O resultado foi uma operação “de juntos e misturados”, sem coordenação e sem cadeia de comando efetiva — um retrato fiel do bloco do “eu sozinho” governamental, em que cada órgão foi desmobilizado ou ignorado. O desastre estava anunciado desde o modo como foi executado: com desgoverno, sem integração e sem responsabilidade pública partilhada.
13. O bloco do “eu sozinho” e o falso teatro da guerra
Não se pede apoio federal com blindados como quem pede emprestado uma xícara de café. Não é possível colocar as Forças Armadas na rua para fazer “uber” na segurança. Se é necessário o apoio das FFAA, então é preciso solicitar e partilhar o planejamento, o comando e o controle, para também dividir responsabilidades nos acertos e erros.
Operação integrada não é um churrasco improvisado de final de semana, em que cada um leva o que tem, esquece de levar a carne e de gelar a cerveja. Não é o junto e misturado da roda improvisada de samba, em que se perde o ritmo e se desafina com gargalhadas.
Há que se ter um plano conjunto, com início, meio e fim, para não virar o que foi o final dramático da operação do Alemão em 2010, em que as FFAA entraram e ficaram meses exatamente porque não se tinha efetivo de polícia para manter a retomada de território.
O espetáculo da guerra sem exército desmoralizou o governo em mais um enxuga gelo contra o CV, ao passo o prejuízo imposto ao crime será reposto em uma semana de faturamento regional e nacional. Por ingenuidade, ignorância, má assessoria política ou oportunismo, desenhou-se uma operação “instagramável” para catapultar o governante, mostrando que ele teria mando de fato e de direito, que é capaz de agir sozinho, sem apoio de ninguém, reproduzindo o bloco do “eu sozinho” heroico governamental.
Como tal operação não tinha como se sustentar desde o início, por razões logísticas básicas, o tempo foi passando e os 2.500 policiais foram sendo forçosamente desengajados, e a operação virou um presente de grego: não pode continuar porque não tem pernas; não pode sair porque os saldos operacionais produzidos não abatem a precificação das mortes e das perdas materiais e existenciais dos moradores da região metropolitana do Rio de Janeiro.
E, claro, mais uma vez, a ocultação da responsabilidade política do comandante em chefe das polícias implicava pôr a fatura salgada na conta do STF e do governo federal que também tem deixado a desejar quando o assunto é a política de segurança pública.
14. A culpa é minha e eu ponho em quem eu quiser
Como de praxe, um governante que vira animador de auditório, servindo de garoto-propaganda de operações, torna-se dependente de saldos operacionais “instagramáveis”, independentemente da legalidade com que foram produzidos. Ficam todos os governantes municipais, estaduais e federais dependentes do que as polícias podem produzir e entregar para seu permanente estado de campanha eleitoral. E, desta forma, são quase que obrigados a fecharem os olhos para os maus usos e abusos do poder de polícia. Quando o saldo operacional é bom todo governante se torna ‘pai” da operação policial e vira uma espécie de garoto-bombril com suas mil e uma utilidades político-partidárias das polícias. E num contexto de terceirização do comando da segurança pública para grupos corporativistas e correligionários, o governante abdica de assumir responsabilidade como comandante em chefe e atribui a culpa a outro alguém federal, estadual ou municipal conforme a conveniência, convivência e conivência.
O governante blefa quando diz que a ADPF das Favelas algemou a polícia impedindo operações, quando na verdade o que a ADPF fez foi exigir profissionalismo policial e o cumprimento da doutrina policial de uso da força e, por sua vez, da doutrina de operações policiais.
A ADPF 635 cobrou, pela primeira vez, que a polícia fosse Polícia com “P” maiúsculo.
Durante sua vigência, viu-se o crescimento das operações policiais no Rio, como demonstrado pelo Fogo Cruzado. Dizer que a ADPF fez prosperar as barricadas é, no mínimo, infantil. Até porque barricadas são demonstrações visuais da incapacidade do CV, TCP ou qualquer outro domínio armado de garantir soberania sobre território.
Servem para controlar fluxos de pessoas, dificultar invasões de grupos rivais e servem muito pouco para conter ou impedir polícias, que não são bandos, e sim organizações armadas com superioridade de meios e métodos. Se lá estão as barricadas, é porque o Estado assim quer, como parte do seu arrendamento dos espaços populares para o crime. Barricada serve para o CV ganhar alguma vantagem defensiva contra rivais de mesmo calibre. Barricadas viram brinquedo diante do poderio das burocracias armadas como as polícias e FFAA.
15. A falácia da falta de integração porque falta lei
Nada mais enganoso do que afirmar que a falta de integração com o governo federal deriva da ausência de uma lei — como a PEC da Segurança ou o Pacote Anticrime. Cabe esclarecer que, com os dispositivos normativo-legais que já dispomos, é possível fazer agora operações conjuntas, operações integradas e forças-tarefas. Todas elas provisórias e limitadas no tempo e à sua missão, como devem ser, para garantir resultados superiores e transparentes.
Este tipo de atuação integrada não precisa esperar mudança legislativa, por melhor que ela seja. E seja mesmo necessária. Isso porque operação conjunta, integrada e força-tarefa resulta de decisões de natureza política e administrativa-procedimental, ao alcance de qualquer gestor em posição de mando.
A lógica brasileira de vender para o cidadão inseguro e desinformado que só mudando a lei se muda o mundo é um caldo liberal-autoritário que serve como desculpa para a produção do monopólio do nada fazer dos governantes e para a ocultação da ausência de políticas nacionais, estaduais e municipais. Vender a fantasia de que só com a mudança da lei algo pode ser feito é matar a política pública e ocultar leniências.
E mais: é dar serviço aos outros sem se comprometer com a execução da própria lei, insinuando que “já fez a sua parte” ao criar a lei, e que agora o problema seria com quem executa — como se as leis não pudessem criar problemas de execução, gastos e prestação de contas e, até mesmo serem, inaplicáveis como revela normas draconianas de endurecimento penal.
Além de uma covardia moral, colocar as fichas políticas na aprovação de uma lei é colocar o medo, a insegurança e a violência vividos hoje pela população no final de uma longa fila de espera. Como se medo e insegurança pudessem ser adiados até a aprovação da suposta lei milagrosa. Não dá para pedir ao crime organizado, aos criminosos do cotidiano, ao feminicida que suspendam suas atividades e só voltem a atuar quando tivermos uma lei que integre as polícias ou uma lei mais dura.
Há, por fim, neste ilusionismo da mudança da lei como salvação imediata o delírio de uma “big-data total” de todas as informações e uma inteligência central, do bem naturalmente, que de cima para baixo articularia todas as polícias, a cada demanda, a cada ação. Nada mais ingênuo, pois nem a ditadura conseguiu este admirável mundo do comando e do controle único e central. Tem-se aqui o fetiche liberal-autoritário à brasileira com um novo papel de bala vistoso mas com recheio podre. Veja que integração aqui corresponde a uma unificação, uniformização e monopólio de fontes em um país federativo, de larga escala, com distintas agências de controle, com diversidade de cenários e desafios de atuação. Este tipo de fantasia tecnocrática revela, na prática, o desconforto que temos com as negociações e a produção de consenso e acordos. Revela que o que se quer estabelecer uma autoridade forte, definir quem manda em quem e quem é o que manda em tudo de forma unitária e autocrática.
16. A verdade que não se quer falar
Nenhuma organização criminosa no Rio de Janeiro controla plenamente o território. O controle é sobre a população, por meio da ameaça do uso da violência. E, para existir, essas organizações dependem da parceria com o Estado, que garante previsibilidade e estabilidade aos arrendamentos territoriais para o CV, por exemplo. Não existe essa história de poder paralelo — cuja finalidade desta expressão foi a de ocultar as relações entre política e crime organizado. É o Estado que, funcionando como uma agência reguladora do crime — para o bem ou para o mal —, organiza ou desorganiza o crime desde dentro.
Não há como garantir domínio territorial armado com alguma estabilidade de mando sem a colaboração direta dos poderes estatais que conferem seu lastro ampliando ou assegurando o domínio sempre provisório do crime. Domínio armado do CV não é o mesmo que produzir e garantir soberania. Também não há e nunca houve Estado ausente. O que há no Rio são governos que negociam sua forma de presença nos espaços populares, como também se vê em outros estados e em outros países.
Bem, estes foram alguns pontos esclarecidos em minhas entrevistas e que, mais adiante, quando dispuser de mais dados sobre esta operação de 28/10/2025 no Alemão e na Penha, poderei explicitar os parâmetros técnico-científicos assentados em evidências empíricas que nos ajudem a quebrar os mantras que nos iludem e desmascarar as cloroquinas da segurança que nos envenenam com falsas explicações.
*Jacqueline Muniz é professora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF).
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha do editorial do jornal Brasil de Fato.
Editado por: Vivian Virissimo
domingo, 7 de setembro de 2025
Dia da Pátria é dia de afirmar a verdadeira defesa da soberania brasileira a qualquer custo
Dia da Pátria é dia de afirmar a verdadeira defesa da soberania brasileira a qualquer custo
Brasil enfrenta sanções e ataques externos no 7 de Setembro, reafirmando luta pela soberania nacional
07 de setembro de 2025, 06:21 h
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Neste Dia da Pátria de 7 de setembro, celebra-se a data que representa muito mais do que um marco histórico: é a reafirmação solene do compromisso de cada brasileira e brasileiro com a soberania nacional. Trata-se de um valor agora mais do que nunca desafiado por ameaças que exigem respostas firmes. As comemorações, tradicionalmente marcadas por desfiles cívicos e militares, simbolizam a longa trajetória de luta pela autodeterminação do povo brasileiro. Neste ano, contudo, a data é observada sob a sombra de graves ataques à integridade política e econômica do país, protagonizados pelo governo dos Estados Unidos de Donald Trump.
A soberania nacional, conquistada após séculos de dominação colonial, encontra-se hoje penalizada por sanções econômicas e interferências políticas que visam subjugar o Brasil a interesses geopolíticos externos aliados a brasileiros traidores de sua Pátria. As tarifas de 50% impostas sobre produtos brasileiros pelos EUA, adornadas por narrativas distorcidas destinadas a paralisar o sistema judicial nacional, representam não apenas um ataque à economia, mas uma afronta à capacidade de o país gerir suas instituições democráticas conforme princípios constitucionais escolhidos pelos brasileiros. Tais agressões, detalhadas em documentos e mensagens presidenciais estadunidenses, acusam mentirosamente o Supremo Tribunal Federal e o ministro Alexandre de Moraes de suprimir liberdades, ignorando a conduta absolutamente legal e soberana das decisões judiciais brasileiras.
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É profundamente preocupante constatar que esses ataques contam com a instigação de brasileiros que, em vez de defenderem a nação, alinham-se com interesses estrangeiros. Eduardo Bolsonaro, ao estabelecer-se nos Estados Unidos e ali atuar pela aplicação de sanções contra seu próprio país, comete ato de traição à pátria. Tais máquinações espúrias merecem o mais veemente repúdio social e a exemplar punição legal reservada aos mais pérfidos infiéis. Investigações da Polícia Federal revelaram diálogos nos quais ele e o ex-presidente Jair Bolsonaro conspiraram ativamente para instigar autoridades dos Estados Unidos a prejudicar economicamente o Brasil, o seu próprio país, priorizando agendas pessoais sobre o bem-estar de seus concidadãos. Essas ações não apenas visam a fragilizar o país como representam violação ética e legal dos deveres para com a nação.
Em decorrência, o Brasil é hoje o país mais penalizado por tarifas dos Estados Unidos.
A presente crise impõe o reconhecimento de que o Brasil deve, mais do que nunca, confiar e investir prioritariamente em suas próprias forças e inteligência para tornar-se, definitivamente, uma potência econômica com justiça social. Essas forças internas - representadas pela capacidade produtiva nacional, pelo potencial científico e tecnológico, e pela criatividade empreendedora de seu povo. Impõe-se retirar as conclusões da situação de dependência do Brasil a estruturas internacionais, em especial estadunidenses, que podem ser subitamente usadas como instrumento de chantagem para submeter a soberania do Brasil. O país precisa se prover de meios próprios para se liberar de amarras externas e internas que limitem seu pleno funcionamento e desenvolvimento.
Diante desse cenário, impõe-se ao governo brasileiro identificar vulnerabilidades e acelerar medidas práticas que fortaleçam a autonomia nacional em todas as áreas estratégicas. A dependência econômica e tecnológica dos Estados Unidos, outrora vistos como parceiros revela-se agora fraqueza crítica. É imperativo que o Brasil diversifique parcerias internacionais, fortaleça cadeias produtivas locais e invista em inovação tecnológica para impedir a sujeição a pressões externas. Setores como energia, defesa, economia digital e agricultura devem ser prioritários nesse esforço.
A defesa da soberania exige igualmente reforço das instituições democráticas. O STF, alvo central dos ataques de Trump, deve ser protegido como pilar do Estado de direito, e suas decisões, relacionadas ao combate à desinformação e à proteção do processo democrático, devem ser compreendidas como essenciais à própria existência do país como tal. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e os juízes da Suprema Corte, com Alexandre de Moraes à frente, personificam essa luta pela integridade institucional, enfrentando pressões que visam minar a credibilidade do sistema legal.
Neste Dia da Pátria, a maior homenagem que se pode prestar aos que lutaram - e morreram - pela independência é o comparecimento aos atos em defesa da soberania que se realizam em todo o país. A presença neles é a melhor mensagem de que os brasileiros desejam rejeitar qualquer forma de subordinação e afirmar, com determinação, que o Brasil não negociará sua soberania. Que esta data renove o compromisso coletivo com um projeto nacional soberano, justo e verdadeiramente independente, capaz de resistir a ameaças externas e superar divisões internas pela punição aos vendedores da pátria.
O futuro do Brasil deve ser escrito por brasileiros, sem interferências que comprometam o destino comum da nação.
Que nenhum indivíduo que traia sua pátria possa ostentar a condição de brasileiro. Que os brasileiros dignos manifestem seu compromisso mais profundo com a independência no momento em que ela mais se encontra em perigo.
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Redação Brasil 247
Sóstenes, patriarca da impunidade?
Sóstenes, patriarca da impunidade? – Por Marcelo Uchôa
Não se está discutindo sobre roubo de galinha ou avanço de muro sobre terreno de vizinho, está-se tratando de golpe de Estado, respeito aos Poderes e democracia
Marcelo Uchôa
Por Marcelo Uchôa
Escrito em
Opinião
7/9/2025 · 11:33
Sóstenes, patriarca da impunidade? – Por Marcelo Uchôa
Bolsonarista Sóstenes Cavalcante.. Agência Câmara de Notícias
Em sua célebre obra “O homem medíocre”, de 1913, José Ingenieros dizia que os medíocres “engolem sem digerir, até o empachamento mental: ignoram que o homem não vive do que engole, mas do que assimila”. A reflexão vale para o deputado federal do PL, Sóstenes Cavalcante.
Se é verdade que este conhecido preposto do sempre encolerizado Silas Malafaia articula um projeto de lei para garantir impunidade ampla aos investigados, processados ou condenados no, e em função, do Inquérito das fake news, no Supremo Tribunal Federal, a partir de 14 de março de 2019, inclusive restaurando a elegibilidade do atualmente tornozelado em prisão domiciliar, à espera de nova condenação, ex-presidente Jair Bolsonaro, nas eleições do próximo ano, deveria, ele mesmo, Sóstenes Cavalcante, ser cassado por ausência de decoro parlamentar, imperativo ético-jurídico associado ao exercício da função.
O Parágrafo único do art. 1° da Constituição estabelece que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos nos termos da Constituição, sendo ele, Sóstenes, um desses representantes. Porém, tal poder de representação não lhe transfere o direito de gozar descaradamente de quem o elegeu. Se a própria imunidade parlamentar não é absoluta, mesmo ela está submetida aos freios da Constituição, o que dizer do decoro parlamentar? Está lá no art. 3°, III, do Código de Ética e Decoro Parlamentar, que este deve “zelar pelo prestígio, aprimoramento e valorização das instituições democráticas…” No inciso IV seguinte, lê-se que o parlamentar “deve exercer o mandato com dignidade e respeito à coisa pública e à vontade popular, agindo com boa-fé, zelo e probidade”.
Ora, o caput art. 1° da Constituição afirma que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. Assim, atentar contra a democracia é o crime mais grave cometido contra o país, tão ou mais grave do que atentar contra sua soberania, fundamento da pátria, erigida no inciso I, do art. 1º, hoje bestializado pelo traidor foragido nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro.
O art. 5º, inciso XLIII, da Constituição proíbe a concessão de anistia, graça ou indulto para certos crimes. Não inclui ali os crimes contra o Estado, mas o fato de não os incluir não significa que numa simplória interpretação sistemática da Carta se chegue à conclusão de que crimes contra o Estado são impassíveis de anistia. Foi com tal exercício hermenêutico que o Supremo Tribunal Federal tornou nulo o indulto concedido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao ex-deputado federal condenado, Daniel Silveira, ressaltando desvio de finalidade incompatível com os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa. Em resumo, não cabendo a proteção constitucional para promover sua própria traição, através do descumprimento acintoso de decisão judicial legítima, transitada em julgado.
Recomenda-se, portanto, ao deputado Sóstenes, prudência. Que não se atreva a desdenhar dos que representa no Congresso em nome de um dito chefe religioso que, há muito, perdeu a credibilidade moral e política. Se assim proceder, conte as horas para a perda do mandato, senão pelas hipóteses acima, nas próximas eleições.
A propósito, comenta-se que o presidente do Senado Davi Alcolumbre cogita proposta intermediária, diminuindo as penas estabelecidas aos condenados do 8 de janeiro. Nesta hipótese, em que pese considerá-la também de inconstitucionalidade flagrante pelas mesmas razões acima, ou seja, violar decisão judicial transitada em julgado, pergunta-se por que não fazer uso do expediente do inciso II do art. 14 da Constituição, o referendo popular? Esse meio de escuta também é uma das formas de manifestação da soberania. Aliás, meio direto que deveria ser mais utilizado no Brasil (quiçá com o plebiscito), já que em ambas as Casas Parlamentares integrantes parecem haver perdido a bússola da retidão.
Certamente, brasileiras e brasileiros ficariam felizes em decidir sobre assunto tão polêmico. Afinal, não se está discutindo sobre roubo de galinha ou avanço de muro sobre terreno de vizinho, está-se tratando de golpe de Estado, respeito aos Poderes e democracia, em trama de tamanha gravidade que previa assassinato de presidente e vice-presidente da República recém-eleitos, bem como de ministro do STF, para não citar mais gravames de ordem política e social.
*Marcelo Uchôa é advogado. Doutor em Direito, com estudos de pós-doutorado na Universidade de Salamanca. Membro da ABJD e do Grupo Prerrogativas. @MarceloUchoa_.
quinta-feira, 4 de setembro de 2025
Anistia avança impulsionada pela escória do Congresso Nacional
Anistia avança impulsionada pela escória do Congresso Nacional
A mobilização dos democratas nas ruas e nas redes é essencial para barrar a anistia
04 de setembro de 2025, 08:56 h
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Manifestações contra a anistia
Manifestações contra a anistia (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)
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"Anistia é afronta irresponsável à Constituição". O título não é de nenhum veículo da mídia alternativa, mas sim de editorial do conservador e reacionário O Globo, postado na edição online na tarde desta quarta-feira (3).
À medida que se aproxima a data do anúncio da condenação de Bolsonaro, marcado para acontecer na sexta-feira da próxima semana, ganham força as articulações na Câmara dos Deputados, especialmente, mas também no Senado, para degradar o Poder Judiciário, violar a Constituição e livrar da cadeia os líderes da organização criminosa responsável pelo putsch contra o nosso regime democrático.
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A proposta ilegal, que nasceu no esgoto do Congresso Nacional, agora avança como se fosse uma iniciativa parlamentar legítima, como outra qualquer. Hoje, os extremistas de direita, os pais da matéria, já contam com o apoio de amplos setores do Centrão, a turma cevada à base de emendas bilionárias. No ato de desembarque do governo (onde, a rigor, nunca estiveram), ocorrido há alguns dias, lideranças do PP e do Republicanos falaram abertamente sobre sua adesão à tese da anistia.
Por sua vez, honrando sua condição de político invertebrado, o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Hugo Motta, tratou de avisar que não vai conter as pressões para incluir na pauta temas como a anistia e que tudo vai depender do colégio de líderes, blá, blá, blá. Mero biombo para esconder seu flerte com a impunidade dos que tentaram destruir a democracia.
O projeto avança reunindo sob o mesmo guarda-chuva o que há de mais execrável no Legislativo federal, de fascistas a picaretas, passando pelos pulhas e covardes.
O movimento tem duas vertentes. Uma, formada pelos parlamentares do PL e do Partido Novo, os extremistas de direita que aplaudem a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 e querem uma anistia ampla, geral e irrestrita, revertendo inclusive a inelegibilidade de Bolsonaro; e outra, dos parlamentares da direita que adoram ser tratados como integrantes do Centrão, que indicam que tentarão formular um projeto mais "palatável" para a sociedade.
Abre parênteses: nas últimas horas, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, sinalizou que pretende apresentar um projeto atenuando as penas dos que, segundo ele, atuaram como "massa de manobra", mas deixando de fora as lideranças, os organizadores e os financiadores da intentona golpista. Como era de se esperar, a ideia foi mal recebida pela extrema direita e grande parte do Centrão. Fecha parênteses.
A promessa do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, de indultar Bolsonaro, caso seja eleito presidente da República (sonho de uma noite de inverno), é reveladora do que está por trás da conspiração pró-anistia.
Como Bolsonaro é visto pelo establishment como fósforo queimado, Tarcísio, em busca do apoio do ex-presidente e de seus seguidores, acena com o indulto. Por outro lado, entre deputados e senadores, a condenação dos golpistas é vista como um fator capaz de aumentar ainda mais o favoritismo de Lula na eleição de 2026. Daí a anistia como uma tentativa de embaralhar o jogo e criar obstáculos para o nado de braçada de Lula rumo ao quarto mandato.
Embora o Supremo vá reagir com todo seu peso institucional à investida inconstitucional, a mobilização dos democratas nas ruas e nas redes é essencial para barrar a anistia.
Em tempo: somente a ignorância e a má-fé podem levar uma pessoa a defender a anistia para os golpistas usando como argumento a comparação com a anistia dos que combateram a ditadura militar. Como se fosse possível comparar quem enfrenta uma ditadura com quem tenta implantá-la. Outra coisa: os bravos resistentes ao regime autoritário iniciado em 1964 foram sequestrados, presos, cumpriram penas ou amargaram o exílio. Muitos sofreram torturas e foram assassinados. Já a quadrilha golpista de hoje nem foi condenada ainda e já esperneia por anistia. Bando de covardões.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.
sábado, 16 de agosto de 2025
quinta-feira, 31 de julho de 2025
Bolsonaro tem mais valor para o fascismo americano do que para a direita brasileira
Bolsonaro tem mais valor para o fascismo americano do que para a direita brasileira
“Qual será o próximo movimento do bolsonarismo perdedor, abalado por uma sequência de fracassos?” – pergunta o colunista Moisés Mendes
31 de julho de 2025, 18:20 h
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Jair Bolsonaro à mesa
Jair Bolsonaro à mesa (Foto: Carlos Moura / Ag. Senado)
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Bolsonaro conseguiu um feito histórico ainda sem resultados práticos, na sequência dos desastres da extrema direita. Em casa e com tornozeleira, o líder do golpe tem mais poder nos Estados Unidos do que no Brasil.
Bolsonaro interessa hoje mais a Trump, por sua utilidade na estratégia de agressão ao Brasil, do que a Valdemar Costa Neto e Gilberto Kassab. Aqui, Bolsonaro está inerte e quase sem forças. Lá, é terrivelmente prestativo.
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O núcleo do bolsonarismo está numa fase ruim. Carla Zambelli foi presa na Itália. Tarcísio de Freitas entrou em hibernação. O filho Eduardo produz vídeos desconexos sem saber como dar o próximo passo, depois do blefe do tarifaço.
Os coronéis golpistas foram humilhados e perderam até o direito de usar a farda do Exército quando de interrogatórios no STF. E a base em desalento tenta provar nas redes sociais que ainda se move e respira.
A extrema direita acumula derrotas destruidoras. Perdeu a eleição, perdeu ao tentar o golpe e perdeu na tentativa de enfrentar Alexandre de Moraes e inviabilizar o julgamento dos golpistas.
Vem perdendo apoio da velha direita e perde o embate no Congresso para fazer andar o projeto da anistia. E sabe que, se fizer um movimento brusco hoje, em qualquer direção, irá perder de novo.
Mas, como diria o deputado Hélio Lopes carregando nas costas a sua barraca, depois de tentar liderar os novos acampamentos em Brasília, o bolsonarismo terá de reagir.
Coisas escabrosas devem estar em planejamento, depois do fracasso do esforço para produzir fatos políticos com repercussão popular capaz de provocar apoios e caos que abalem Lula, o Supremo, a economia e a democracia.
Tentaram tudo desde o 8 de janeiro, incluindo três aglomerações nos trios elétricos de Malafaia. E tentam agora com a chantagem de Trump e mais as sanções a Alexandre de Moraes.
Nada funciona porque não há o resultado que importa: o apoio dos brasileiros aos gestos extremistas. Falta sustentação popular aos movimentos do fascismo. Esse é o drama de Bolsonaro, dos filhos e dos que ainda estão ao lado deles.
O bolsonarismo não conseguiu provar que, derrotado na eleição, poderia se reerguer com o golpe e tudo o que veio depois. Fracassou por falta de apoio.
O que resta para figuras com liderança e/ou com mandatos é a fidelização da base eleitoral extremada. É o que fazem líderes estaduais e municipais e deputados que mantêm suas turmas agrupadas e mobilizadas.
Mas nada disso se traduz no que mais a extrema direita precisa, como precisou e conseguiu eleitoralmente em 2018: o alargamento de seu alcance, para que o engajamento às suas ações não fique confinado aos que cantam hino para pneus e fazem contato com marcianos golpistas pelo celular.
A Terra dos Bolsonaros está cada vez mais plana e menor. Pesquisas mostram que o aumento do apoio a Lula é proporcional à perda de vigor das facções que, para continuar produzindo ameaças e gritaria, parecem hoje muito mais trumpistas do que bolsonaristas.
Imagina-se que não esteja com o deputado Hélio Lopes a missão de produzir para a direita no Brasil os ecos do que Trump faz nos Estados Unidos com a ajuda de Eduardo Bolsonaro.
A extrema direita necessita de bem mais, precisa provar, depois de uma goleada atrás da outra, que Bolsonaro continua tão útil para toda a direita brasileira como é para o fascismo americano.
É uma tarefa imensa. Os fracassos esmoreceram e aquietaram muita gente. Imobilizaram a moderação extremista de Tarcísio de Freitas. Desorientaram o lavajatismo que ainda gira em torno de Sergio Moro. Ofereceram a chance da ‘neutralidade’ a Hugo Motta e Davi Alcolumbre.
O bolsonarismo está nas mãos de Trump e já não sabe se pode se fortalecer em 2026 com a ajuda de Valdemar e Kassab, que olham de lado para a família de perdedores.
Bolsonaro é hoje um pré-presidiário com tornozeleira, vendo Corinthians e Palmeiras em casa, enquanto Alexandre de Moraes acompanha o jogo no estádio e, como corintiano, ainda sai vencedor. Até Trump sabe o que isso significa.
segunda-feira, 28 de julho de 2025
Comandos militares temem não ser mais possível separar o joio do trigo
Comandos militares temem não ser mais possível separar o joio do trigo
A frase repetida à exaustão, tanto pelo comandante Tomas Paiva quanto pelo ministro José Múcio, “é preciso separar o joio do trigo”, caiu no vazio
28 de julho de 2025, 17:31 h
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Militares e os atos golpistas
Militares e os atos golpistas (Foto: Agência Brasil (Joedson Alves / Elza Fiúza))
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Não foi mera decisão do ministro Alexandre de Moraes, o motivo para que os oficiais do Exército, que depuseram nesta segunda-feira, (28/07), na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) e compõem o núcleo 3 dos réus acusados de cinco crimes, dentre eles, golpe de Estado, se apresentassem sem a farda.
Nove entre os dez depoentes desta segunda-feira são oficiais do Exército, bem como no processo que corre no STF eles são maioria. Em conversas informais com o Comando, foi revelado ao ministro o quanto foi constrangedor ver o tenente-coronel Mauro Cid depondo fardado. E o quanto mais seria ver praticamente todos os depoentes do núcleo 3 - com exceção de Wladimir Matos Soares (policial federal) -, envergando o uniforme da Força.
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A frase repetida à exaustão, tanto pelo comandante do Exército, Tomas Paiva, quanto pelo ministro da Defesa, José Múcio, “é preciso separar o joio do trigo”, caiu no vazio. O Exército Brasileiro viu o nome da instituição despencar nas pesquisas de confiança da população, desde o episódio de 8 de janeiro, e emergir das apurações que levaram ao banco dos réus a fileira de oficiais, incluindo generais e ex-comandantes.
O que a sociedade atestou, em termos de despreparo, de dificuldade em se expressar e do (des)nível intelectual dos inquiridos, colou uma nódoa indelével no frontispício do quartel general. Impossível não questionar que tipo de gente é essa que chega ao generalato às custas do erário público, sabendo como ninguém trair os princípios militares, se dispor a contrariar a Constituição e até montar planos de assassinato com todo o tipo de arma e até mesmo envenenamento? Por essas e outras, não dá mais para “desmisturar” o joio do trigo. A menos que se altere a formação para a carreira.
Ficou patente que não foi apenas um “deslize moral”. Foi, isto sim, falta de orientação adequada. Ensinamentos equivocados, como os aprendidos pelo general Mario Fernandes, expostos em sua monografia à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Ali ficou claro que já é hora de abandonar as orientações radicais de anticomunismo, sob pena de virarmos todos nós, cidadãos brasileiros, alvo de seus fuzis e punhais “verde-amarelo”. Sua dissertação discorre todo o tempo sobre como combater o “inimigo interno”. Ou seja, a sociedade brasileira. E foi aceita. E ele foi aprovado com elogios.
Ao confessar que sim, foi o autor do “Plano Punhal Verde-Amarelo”, o general exibiu, mais uma vez, até onde pode ir um oficial do Exército mal instruído. O general Fernandes foi formado dentro das fileiras da instituição, e isto não se pode separar ou negar. É o joio junto com o trigo.
Mesmo os ditos “legalistas” estão perturbados com o julgamento e o que o país assistiu. A esta altura, importa pouco ou nada, para eles, o destino de Bolsonaro, dizem. A questão é o número de militares envolvidos. Já dão como perdidos (expulsos) o tenente-coronel Mauro Cid, o general Braga Netto e o general Mário Fernandes. A questão para os comandantes, agora, é tentar salvar outros nomes, como o general Estevam Cals Theophilo. A empreitada pode ser “missão impossível”. Basta lembrar que Theophilo é o general que ao ver Freire Gomes deixar a conspiração e se negar a comandar o golpe, se ofereceu para estar à frente das tropas, como consta da denúncia da PGR. Bastava que Jair assinasse e ele cumpriria a ordem “fora da ordem”.
A certeza dos comandantes é a de que se surgirem mais novidades e nomes que foram do Alto Comando seria muito ruim para o controle deles. Não se conformam com a confissão do Mario Fernandes, classificada por eles de “suicida”. O que esperaram? Que além de potencial assassino se acovardasse? Alguns mais “espertos” do Alto Comando, comentam que o general Fernandes confiou na “anistia”, com a ajuda de Trump, o que lhe deu ousadia e "coragem" para virar chefe do bolsonarismo sem os Bolsonaro.
Após o estrago e a incerteza sobre os desdobramentos do atual quadro, a defesa de Mario Fernandes correu a desmenti-lo, mas ele candidamente já havia detalhado o parto do seu plano. Como quem aposta que o acaso vai lhe proteger enquanto ele andar distraído, contou que o plano não passou de "pensamentos digitalizados". Foi como o derramar de um copo d’água sobre o teclado. Como se os seus pensamentos tivessem entornado sobre o computador os seus instintos mais primitivos.
Já passou da hora de os oficiais comandantes repensarem os ensinamentos transmitidos para os que ingressam na carreira militar. Enquanto começarem com: “Era uma vez um país ameaçado pelo comunismo, e que foi salvo pelos militares”, pegam um caminho sem volta. A partir dessa premissa são obrigados a continuar mentindo sobre o que já foi apurado à exaustão por historiadores, jornalistas, acadêmicos de modo geral.
Precisam começar por: houve um golpe em 1964, que derrubou um presidente eleito democraticamente e jogou o Brasil numa ditadura sanguinária, tendo à frente a cadeia de comando que começava na presidência - preenchida por ditadores -, e desaguava nos porões, lugar dos de menor patente. Ali, pelas mãos de militares, corpos foram massacrados, reputações destruídas e o futuro não existia. Agora que o temos em perspectiva, que permitam, pelo menos, que o 8 de janeiro seja passado a limpo e os seus idealizadores, punidos. O Brasil saiu do mapa da fome. Que saia também do mapa da mentira.
Para que não se esqueçam, os réus ouvidos hoje são: Bernardo Romão Correa Neto (coronel), Estevam Theophilo (general da reserva), Fabrício Moreira de Bastos (coronel), Hélio Ferreira Lima (tenente-coronel), Márcio Nunes de Resende Júnior (coronel), Rafael Martins de Oliveira (tenente-coronel), Rodrigo Bezerra de Azevedo (tenente-coronel), Ronald Ferreira de Araújo Júnior (tenente-coronel), Sérgio Ricardo Cavaliere (tenente-coronel) e o único que não é militar: Wladimir Matos Soares (policial federal).
Denise Assis avatar
Denise Assis
Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".
Poderão os países tributar os super-ricos?
Poderão os países tributar os super-ricos?
Pressões sociais desafiam um grande tabu do neoliberalismo. Os impostos sobre a riqueza voltam a ser considerados, depois de demonizados por décadas. Em Paris, uma escola até há pouco ignorada assumiu a liderança acadêmica desta combate
OutrasPalavras
Desigualdades
Por Simon Kuper
Publicado 28/07/2025 às 18:20 - Atualizado 28/07/2025 às 18:35
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Por Simon Kuper, no Financial Times | Tradução: Antonio Martins
A Escola de Economia de Paris (PSE) fica nos terrenos sombrios do que foi a École Normale Supérieure feminina, escondida na extremidade menos glamourosa da cidade. Fundada apenas em 2006, só oferece cursos de pós-graduação e não pode competir com os US$ 53 bilhões de doações recebidos por Harvard. Ainda assim, é extraordinariamente influente. Sua presidente, Esther Duflo, é vencedora do Prêmio Nobel de Economia. Voltou ecentemente a sua cidade natal, após anos em Harvard. O cofundador da PSE, Thomas Piketty, fez mais que qualquer outro economista para colocar a desigualdade na pauta da profissão.
Há duas décadas, ele também orientou a dissertação de mestrado do atual astro da escola, Gabriel Zucman. Tema: saber se impostos altos incentivam os ricos a emigrar. Hoje, Zucman — de aparência juvenil aos 38 anos e vencedor da Medalha John Bates Clark (que costuma anteceder um Nobel) — lidera um movimento para taxar os super-ricos globalmente. O Observatório Fiscal da União Europeia, dirigido por Zucman, organizou em abril, na PSE, uma conferência para a pequena comunidade — porém, global — que se mobiliza em torno desse imposto.
Além de economistas, havia representantes do FMI, do governo brasileiro, do partido trabalhista da da Bélgica e uma funcionária da OCDE que participou a título pessoal, como “nerd tributária”.Alunos da PSE mais focados em maximizar lucros entraram de fininho para aproveitar o bufê de almoço parisiense gratuito… A mensagem do evento: os super-ricos pagam menos impostos que pessoas comuns. Zucman e seus seguidores querem mudar isso.
Apesar de os palestrantes serem quase todos homens, este campo teórico foi inaugurado por uma mulher. Em 1941, Helen Tarasov, funcionária do Departamento de Comércio dos EUA, coescreveu uma monografia intitulada Quem Paga os Impostos?Demorou quase 80 anos para estimar quanto os super-ricos de fato pagam.”Os bilionários são muito visíveis, exceto nas estatísticas públicas”, disse Lucas Chancel, da Sciences Po, à plateia. Seus rendimentos declarados são modestos, pois sua riqueza vem não do trabalho, mas de participação acionária.Os super-ricos quase nunca pagam muitos impostos sobre essas ações. A maioria é “líquida” o suficiente para deixar os lucros nas empresas, em vez de retirá-los como dividendos tributáveis. (A Amazon, por exemplo, nunca pagou dividendos em dinheiro; a Alphabet só o fez pela primeira vez em 2023). A riqueza cresce sem tributação, muitas vezes oculta em holdings.
Como mapeá-la? A partir de 2018, Piketty, Zucman e Emmanuel Saez lideraram um esforço global para medir toda a renda nacional. Isso exigiu cruzar muitas bases de dados distintas: registros de acionistas, declarações fiscais, registros das atividades internacionais de empresas e até as listas de bilionários compiladas pela revista Forbes e outras publicações.
Piketty e sua equipe criaram a Base de Dados da Desigualdade Mundial [World Inequality Database (WID)], com contribuições de mais de 200 economistas. Os dados revelaram que os super-ricos são mais ricos e numerosos do que se imaginava. Verificou-se desigualdade é gigantesca na África do Sul, onde o 1% mais rico detém 55% da riqueza nacional.
Mas a conferência de abriu foi aberta por apresentações sobre Brasil, Holanda e EUA. As revelações foram supreendentemente simulares. Mostraram padrões parecidos: os super-ricos de quase todos os países pagam menos impostos que os cidadãos comuns. A apresentação de Zucman sobre os EUA foi típica. Entre 2018 e 2020, a alíquota média efetiva de imposto de renda foi de 30,7%, mas os 100 cidadãos mais ricos pagaram pouco mais de 20%. Os favores que eles obtiveram Trump em 2018 pioraram o cenário – porém, o problema é muito mais antigo.
Em 2012, Warren Buffett já reclamava que sua secretária trabalhava “tanto quanto ele, e pagava o dobro de impostos”. Não à toa, a riqueza dos 400 norte-americanos mais ricos saltou de 2% para 20% do PIB, a partir de 1982.
Os ricos sonegam impostos até depois da morte. “O imposto sobre herança quase desapareceu nos EUA”, disse Zucman. A taxa efetiva paga por herdeiros diretos é 7%, contra 40% da alíquota legal. No Reino Unido, a lógica é similar, segundo Arun Advani. Já o Brasil tem sua desigualdade extrema agravada pelo sistema tributário.Quase metade da arrecadação no país vem de impostos sobre consumo, diz Theo Palomo.Isso penaliza os pobres, que gastam quase toda sua renda. E o Brasil não tributa dividendos — majoritariamente destinados aos ricos.
Enquanto os brasileiros comuns pagam uma alíquota efetiva de impostos entre 45-50%, o 1% mais rico paga cerca de 20 pontos percentuais a menos. Zucman afirma que nenhum país tributa efetivamente os super-ricos.
Um participante resumiu: “A partir de todas estas apresentações, parece que a solução é taxar bilionários…”. Sua fala foi cortada por risos. Sim, essa é a mensagem. E em breve pode virar política pública.
O projeto de Zucman é que todo bilionário pague impostos anuais equivalentes a pelo menos 2% de sua riqueza. Esse, explicou ele, é o patamar em que eles pagariam, ao fim das contas, a mesma alíquota sobre a renda que os demais. Se algum super rico já paga 2% via impostos de renda e outros em seu país, “está tudo certo, não precisa pagar mais”. Se pagar menos, qualquer país onde ele faz negócios poderá cobrar impostos adicionais, até atingir 2%. Por exemplo: Brasil ou França poderiam taxar o fundador da Amazon, Jeff Bezos, cuja empresa é norte-americana mas opera nesses países.
“É uma proposta ousada, mas modesta ao mesmo tempo”, disse Zucman. Ele explicou que seu “ponto de partida” foi aprender com o “fracasso” dos impostos sobre riqueza europeus anteriores. Enquanto esses tributos atingiam os milionários, a proposta dele isentaria até quem tem €4,8 milhões (R$ 31,15 milhões, o patamar para entrar no 0,1% mais rico global). Está longe de ser uma revolução bolchevique. Aliás, a alíquota de 2% nem reduziria a desigualdade, já que a riqueza dos bilionários cresce 7% ao ano. Piketty, que apoia o plano do ex-orientando, retruca que é apenas “um primeiro passo útil”.
A União Europeia há muito apoia as pesquisas de Zucman. Mas seu grande passo à frente do economista foi dado em 2023, quando o Brasil, anfitrião do G20, convidou-o para apresentar o plano a ministros da Fazenda.
O Brasil pressionou até Javier Milei, o presidente ultraliberal da Argentina, a assinar uma declaração: “Com total respeito à soberania tributária, buscaremos cooperar para assegurar que os ultra-ricos sejam efetivamente tributados”.Isso gerou um impulso global modesto. O Brasil levou a proposta ao comitê tributário da ONU e à OCDE.
Internamente, o governo brasileiro quer tributar os 141 mil nacionais com renda média acima de R$ 1 milhão (US$ 172 mil). Também planeja taxar dividendos. Na França, a Assembleia Nacional aprovou em fevereiro um imposto de 2% para fortunas acima de €100 milhões. O Senado francês talvez rejeite a “taxa Zucman”, mas o governo quer adotar uma versão mais branda (0,5%). O Reino Unido acabou com o regime “non-dom” (que isentava renda e lucros de estrangeiros), e Zucman está oferecendo sua proposta a integrantes de outros governos europeus.
Ele está otimista. Pesquisas mostram amplo apoio popular ao imposto mínimo de 2%. Zucman diz que poucos partidos ousam se opor, pois isso significaria defender “o direito de bilionários pagarem zero”. E mesmo que comece com alíquota baixa, o imposto mínimo pode ser aumentado depois. O imposto global, acrescenta Zucman, funcionará mesmo se EUA, sob Trump, o rejeitarem. Segundo a proposta, os ricos podem ser taxados em qualquer lugar onde operem.Quem fugir para paraísos fiscais pode pagar um “imposto de saída”.Se residentes de longa data na França forem para, por exemplo, para a Suíça, Zucman propõe que continuem sendo taxados por Paris durante anos. Os céticos permanecerão descrentes…
Um cenário possível é que países aumentem outros impostos sobre os ricos, sem adotar tributação específica sobre a riqueza. Afinal, como observa Advani, os Estados já têm muita dificuldade em aplicar os impostos atuais. O início pode ser taxar mais intensamente os ganhos de capital e heranças. Isso estaria alinhado com o movimento de Zucman.
Piketty, que ouviu todas as exposições atento, subiu ao palco no final para abençoar o movimento. Ele espera uma “onda de reformas”, como em 1910-1940, quando muitos países desenvolvidos adotaram impostos de renda “muito progressivos”. Zombou: “Sempre haverá quem diga: ‘Os ricos são poderosos demais, nada mudará'”.Isso foi verdade por décadas, mas os fatos novos revelam que a PSE é uma adversária formidável.
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Trump, o tarifaço e a política brasileira em aberto
Trump, o tarifaço e a política brasileira em aberto
O que realmente enfureceu o presidente dos EUA foi a defesa, pelo Brasil, do multilateralismo e da desdolarização. Atitude da Casa Branca permitiu a Lula recuperar força política, abalou o bolsonarismo e fez do Centrão a principal oposição. Como enfrentá-lo em 2026?
OutrasPalavras
Descolonizações
Por Jean Marc von der Weid
Publicado 21/07/2025 às 17:10
Foto: Ricardo Stuckert/Presidência
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As narrativas são variadas e cada uma mais tresloucada que a outra. Segundo Eduardo “Bananinha” Bolsonaro, o pseudo exilado que tem visto de turista nos EUA, Trump quer intervir no Brasil para “libertar” o seu pai-pai das cruéis perseguições do comunista Xandão. Imagino que se ele já fosse presidente em 2022, os marines teriam desembarcado no Rio de Janeiro para descobrir que a capital é em outro lugar. Ou os paraquedistas teriam saltado em Brasília para acabar com aquela eleição fraudada pela perigosa organização comunista TSE, beneficiando mais um comunista, o Lula. Com esta intervenção salvadora o energúmeno permaneceria no governo, de preferência sem Congresso ou Judiciário atrapalhando.
Bananinha se vangloria de ser o responsável pela ameaça de Trump, dada a sua “amizade profunda” com o governante americano. E acrescenta no seu discurso delirante que é bom o STF, o governo Lula, o Congresso e o povo brasileiro descubram rápido a solução para livrar Bolsonaro de seus muitos e comprometedores processos, ficando livre para candidatar-se a presidente no ano que vem. Caso isto não aconteça, Trump poderá adotar formas mais brutais de intervir, inclusive o uso de bombas atômicas. “Estou avisando, o relógio está clicando e o tempo é curto para evitar o desastre”.
É mole ou querem mais?
As mensagens do Zero 2 já seriam razão suficiente para interná-lo em um hospital psiquiátrico por sofrer de delírios e viver em um universo paralelo só dele. Mas, doidices e megalomanias à parte, há uma lógica perversa nas palavras e no comportamento do filho dileto de Bolsonaro. Em resumo, o cônsul do fascismo brasileiro nos EUA assume orgulhosamente a responsabilidade de levar o presidente do país (ainda) mais poderoso do mundo a ameaçar o Brasil, nas pessoas que representam as instituições da República: o presidente, a Corte Suprema e até o Congresso. Bolsonaro endossa os arreganhos de Trump que EXIGE que cessem as “perseguições” ao seu parceiro. O lema do bolsonarismo (“pátria acima de todos, Deus acima de tudo”) vale somente até a famiglia decidir buscar a pressão da potência do norte para dobrar as instituições brasileiras em seu benefício. Pegou muito mal, como veremos mais adiante.
A segunda narrativa a ser estudada é a do próprio Trump, e se a de Bananinha é transparente no seu absurdo, a do presidente americano é dura de entender.
O que está escrito na carta de Trump a Lula é, resumidamente, o seguinte:
“meu amigo Bolsonaro é objeto de uma ‘caça às bruxas’”.
Chamar Bolsonaro de bruxa não deixa de ser um ato falho de Trump, mas a ameaça é absurda do ponto de vista das leis brasileiras e até das americanas. A carta é dirigida a Lula e este não tem qualquer poder para modificar as decisões do STF. Bananinha, atuando como intérprete de Trump, estendeu a ameaça para o Brasil em geral, convocando seja quem for (Congresso, via anistia, STF, suspendendo o processo) a fazer o necessário para livrar o papai.
“vocês se aproveitam da generosidade americana e têm ganhos ilegítimos na balança comercial que queremos suspender”.
A assessoria da presidência deveria ser demitida por deixar Trump pagar um mico de todo tamanho, já que fazem mais de 15 anos que o Brasil tem déficit na balança comercial com os EUA, somando 415 bilhões de dólares.
“vocês estão censurando as big techs e prejudicam empresas americanas”.
É verdade que o debate em curso sobre a responsabilização das empresas pela divulgação de conteúdos questionáveis (de fake news a estímulo a crimes ou à violência) representa um controle sobre estas empresas, mas, se for por isso, Trump vai ter que impor sanções ainda mais pesadas à União Europeia que vai na mesma direção.
Analistas tanto aqui como nos EUA apontam para outras possíveis causas para o ataque ao Brasil e que não foram ditas na carta. A questão chave para Trump estaria no papel do Brasil nos Brics e na substituição do dólar como moeda comum no mercado internacional. Trump teria ficado furioso com o discurso de Lula na reunião dos Brics e com o de Dilma, que preside o banco do grupo, ambos defendendo o multilateralismo e o fim do dólar como moeda única das transações comerciais internacionais.
Para Trump o multilateralismo (seja a tradicional Organização das Nações Unidas ou o neo nato Brics e até a União Europeia) é um estorvo para o poderio internacional americano. Na sua cartilha as relações entre as nações são como disputas entre garotos no recreio do colégio; vence o mais forte ou o mais bruto. “Faço porque posso”, é a consigna afirmada por ele mesmo.
Já a questão do papel do dólar, não é o caso de pressionar politicamente para que ele seja usado nas transações comerciais. Trata-se de uma questão de praticidade. Enquanto a economia americana tiver lastro para assegurar a força da sua moeda o seu papel dominante permanecerá, independentemente da vontade do Lula, ou dos dirigentes do Brics. Não há nada que Trump possa fazer em relação ao uso de outras moedas no comércio internacional em acordos entre parceiros. A China já usa sua moeda em trocas com dezenas de países, mas em volumes que não alteram os fluxos e valores globais do dólar. Além disso não podemos esquecer que a China é o maior credor do mundo em moeda americana ou em títulos do tesouro americano, algo entre 3 e 4 trilhões.
O Brasil não tem peso na economia internacional para ser um player significativo na substituição da moeda americana, enfraquecida pelo próprio Trump. Por que então atacar o presidente Lula neste quesito? E porque agora?
Desde logo, descarto que o objetivo central de Trump tenha sido aquele declarado nas quatro primeiras linhas da carta, ou seja, a defesa do seu “amigo” ou comparsa, Bolsonaro. Trump não deve nem se lembrar da figura patética, trêmula de emoção, que o abordou nos corredores da ONU em Nova Iorque em 2019, balbuciando em mau inglês “I love you”, e batendo continência.
Quem levou a Trump o tema da “perseguição” a Bolsonaro? Bannon já não está no círculo íntimo de Trump e ele sempre foi quem deu conversa para os mais variados fascistas em ascensão mundo afora, inclusive Bolsonaro. Seja quem for o intermediário neste momento, não resta dúvida que a razão do ataque não foi Bolsonaro, por mais que ele e Trump tenham em comum as tentativas de golpe de Estado fracassadas e a “perseguição” da justiça em ambos os países. Digamos que Bolsonaro foi a pedra colocada casualmente no estilingue do americano. Ou o saco de esterco jogado no ventilador do Brasil. Um instrumento (quase escrevi estrumento).
O segundo movimento dos americanos neste embate não veio de Trump, mas ele deve ter aprovado. O terceiro escalão do governo assumiu corrigir alguns dos erros cometidos na carta, começando por centrar a comunicação em temas comerciais ou correlatos. É algo como o establishment da Casa Branca procurando fazer uma contenção de danos.
Ao trazer a discussão para as relações comerciais, especificando queixas em uma dúzia de importações ou exportações americanas, a administração deixou de lado as exigências políticas relativas aos processos contra Bolsonaro. Esta mudança de tom foi vista no Itamaraty como sendo a explicitação do verdadeiro objeto da tempestade em copo d’água. Se for isso, teremos mais um exemplo de ameaças e explosões, bufos e arreganhos, levando a recuos e acordos mais adiante que estamos assistindo desde janeiro. Foi o que chamei, logo nas primeiras semanas do governo Trump, de síndrome de Leão da Metro (dois rugidos e o resto é fita).
Na lista das exportações brasileiras citadas pelos técnicos da área comercial do governo americano estão produtos como: álcool, aço, café, laranja, couro, carnes, madeira, celulose, aeronaves, outros.
Segundo especialistas, as tarifas cobradas pelo governo brasileiro para todos os produtos importados dos EUA são de apenas 2,75%, em média, muito menores do que aquelas cobradas pelo governo americano sobre as nossas exportações. Em uma primeira avaliação, o único contencioso a discutir é a tarifa sobre as importações de etanol de milho americano pelo Brasil, que são altas como reciprocidade em relação às cobradas sobre o açúcar brasileiro importado pelos americanos. Um acordo reduzindo umas e outras está na ordem do dia das conversas entre os negociadores dos dois países há tempos.
O resto das cobranças americanas são um pot-pourri de itens disparatados, do PIX ao comércio popular de rua em São Paulo, desmatamento ilegal (puro cinismo) e outras bobagens.
Se todo este auê acabar se resumindo a um acordo sobre exportação de açúcar e importação de etanol a montanha terá parido um rato. Usar o caso Bolsonaro para “colocar o bode na sala”, ou seja, como uma (fraquíssima) moeda de troca, não se justifica.
Se o (ou um dos) objetivo do tarifaço for realmente ajudar Bolsonaro, Trump deu um tiro, não no pé, mas muito provavelmente na cabeça do energúmeno, pois o impacto do tarifaço está rachando, isolando e enterrando (esperamos) a famiglia.
Com a crescente decadência da consciência e da atividade política no Brasil, a cada ano mais presas em bolhas fechadas e retroalimentadas pelos seus próprios conteúdos, confesso que não esperava a reação generalizada da chamada opinião pública condenando o tarifaço e seus apoiadores. O sentimento patriótico ou de indignação na defesa da honra nacional pareciam fora de moda.
A opinião do povo em geral é difícil de entender e captar em muitos casos, sobretudo em temas complexos e com segmentos pouco informados. E a informação tem hoje dois vetores básicos para alimentar a opinião ou opiniões: os tradicionais veículos de mídia convencional (rádio, televisão, jornais, revistas) e as redes sociais, sendo que esta última tem um impacto até cem vezes maior em termo de acessos. Entretanto, a mídia convencional tem um peso maior do que o acesso direto pela população, já que ela produz informação que é utilizada pelas redes sociais e costuma ter credibilidade. No mundo das redes proliferam as fake news e várias formas de distorção da verdade, mas o público está, pouco a pouco, aprendendo a desconfiar.
Além destes formadores de opinião, temos um mundo que se cruza com esse, nas relações sociais que intercambiam informação e ideias em igrejas, vizinhança, locais de trabalho, sobretudo as primeiras.
Neste caso do tarifaço, as reações iniciais da militância bolsonarista, sempre aguerrida nas redes sociais, foram de euforia e aplauso, contaminando até gente mais escolada como os governadores Tarcísio, Zema, Caiado e Ratinho. Entretanto, em muito pouco tempo um tsunami de condenações varreu as redes sociais em um fenômeno de espontaneidade que ocorre rarissimamente neste espaço. Seguiram-se editoriais de todos os jornais de grande circulação do país, bem como as redes de televisão, todos descendo o cacete no tarifaço, em Trump, em Bolsonaro e no bolsonarismo. Finalmente, com os líderes do bolsonarismo se retratando a ponto de Bananinha insultar e condenar Tarcísio, o próprio Bolsonaro tentou tirar o dele da reta, mas de forma tão canhestra que se afundou mais ainda. Para fechar o caixão as pesquisas desta semana indicam uma condenação a Trump e ao tarifaço por 72% dos pesquisados. O bolsonarismo bovino reduziu-se a 19% dos pesquisados e deve estar derretendo pois a maré de reações contrárias estava só começando no momento desta pesquisa.
As condenações não apenas foram veementes como elas descartaram enfaticamente a narrativa bolsonarista apontando o dedo culpado para Lula. Jornais conservadores, como Estadão, Folha de São Paulo e Globo não pouparam a famiglia e Lula aproveitou para surfar na onda nacionalista com maestria, evitando discursos ideológicos contra o imperialismo americano. A abordagem do governo para lidar com a “crise da carta” foi impecável, mobilizando o empresariado em pânico e o Itamaraty para abrir negociações comerciais, enquanto malhava as sucessivas besteiras do bolsonarismo sem dar tempo para reação. Entre parenteses, não deixa de ser cômico o fato de que alguns dos setores econômicos mais identificados com o bolsonarismo, como o agronegócio que foi o grande financiador da tentativa de golpe em 2022/2023, estão entre os mais atingidos pelo tarifaço.
As pesquisas mostraram uma pequena mas significativa melhoria da avaliação da opinião pública em relação ao governo Lula, trazendo a diferença entre as avaliações negativa e positiva de 17% para 10%, começando a fechar a “boca do jacaré”. Falta muito para chegar a bombar e dar confiança em uma vitória no pleito do ano que vem, mas a direita está ajudando muito.
O conflito rasgado entre o governo e o Congresso sobre o IOF serviu para o governo lançar uma campanha apontando os parlamentares como defensores dos ricos e o governo como defensor dos pobres. Ainda acho que o governo erra o tiro, pois a grande contradição neste caso não é “pobres contra os ricos”, mas “todos contra os super-ricos”, o 1% que controla 50% da riqueza nacional. Entretanto, a campanha foi bem montada e pegou, e o Congresso sentiu o golpe.
Ainda de olho nas pesquisas de opinião Lula vetou a lei que ampliava o número de deputados, rejeitada por 85% dos pesquisados. Na sequência, a Câmara resolveu se vingar e votou o uso dos recursos do petróleo para doar 30 bilhões para financiar as dívidas do agronegócio. Este era um recurso que o governo tinha carimbado para fins sociais como educação, saúde, saneamento, habitação. Se o governo souber usar bem a crítica desta decisão, notoriamente antipopular, os nobres deputados vão ficar muito expostos.
Todos os analistas concordam que algo mudou no clima político e o governo Lula, já dado por cachorro morto por vários, saiu das cordas e assumiu a ofensiva. Isto não quer dizer que estamos em uma maré irreversível de recuperação de prestígio para Lula e para o seu governo. A ineficiência ainda grassa em vários setores, inclusive no INSS, os tropeços políticos tipo aplaudir os ditadores da América Latina ainda podem se repetir, a idade do Lula pode pregar peças (que todos os orixás nos livrem disso), a corrupção de políticos do governo (embora muitos do Centrão) pode vir a ser denunciada e, por fim mas não por último, a falta de um programa claro e inteligível para a maioria do eleitorado podem matar esta recuperação no nascedouro.
Continuo achando que o governo tem que assumir uma postura mais combativa e parece que Lula está indo nesta direção. Limpar o governo da tralha direitista do Centrão vai certamente criar problemas com o Congresso, mas provavelmente não mais do que os que já existem hoje. É preciso agilizar e enxugar a administração para esta reta final mas, sobretudo, vai ser fundamental alinhar uma série de propostas de ação governamental que sejam muito significativas para o povão e para o futuro do país. Certamente a maior parte não vai poder ser realizada em função da oposição do Congresso, mas este vai ser o objeto mais claro da luta política daqui até as eleições. A oposição principal não vai ser com um membro da famiglia Bolsonaro ou um dos seus afilhados. Vai ser contra a maioria do Congresso, mostrando que enquanto o povo votar no Centrão não vai ser possível governar. Se isto ficar claro para uma boa parcela do eleitorado, mesmo uma derrota eleitoral para a Presidência pode não ser o fim do mundo.
Precisamos ver o fim desta era em que elegemos políticos de esquerda para aplicar programas de direita, enquanto a identidade do PT, PCdoB, PSB e PDT (a aliança de centro esquerda que sempre compôs as chapas eleitorais de Lula e de Dilma) vai se perdendo no emaranhado do eleitoralismo vulgar.
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sábado, 26 de julho de 2025
Edinho Silva sobre respostas a Trump: ‘Momento do povo brasileiro debater que país nós queremos’ Presidente do PT defende soberania nacional e critica pressão dos EUA por aproximação do Brasil com o Brics
Edinho Silva sobre respostas a Trump: ‘Momento do povo brasileiro debater que país nós queremos’
Presidente do PT defende soberania nacional e critica pressão dos EUA por aproximação do Brasil com o Brics
26.jul.2025 às 14h14 São Paulo (SP)
Rodrigo Chagas
O presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), Edinho Silva, defendeu nesta sexta-feira (25) que o Brasil reaja com firmeza e autonomia diante da ofensiva do governo de Donald Trump, que anunciou tarifas de 50% sobre importação produtos brasileiros.
Perguntado se o momento histórico e a mobilização popular em defesa da soberania nacional abrem caminho para que o governo dispute com o Congresso uma pauta mais à esquerda – próxima da que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022 –, Edinho considerou que a discussão deve partir do povo.
“Eu penso que é o momento do governo brasileiro – não só do governo, mas sob a liderança do presidente Lula – do povo brasileiro debater que país nós queremos”, afirmou o dirigente.
A declaração foi dada ao Brasil de Fato durante o Ato em Defesa da Soberania Nacional, realizado no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Largo São Francisco, centro da capital paulista.
Edinho, que acaba de assumir a presidência do PT com o apoio do presidente Lula, avaliou que o ataque de Trump também busca minar o protagonismo do Brasil no Brics e outras alianças multilaterais. Para ele, há interesses em jogo quando se trata da atuação brasileira em tecnologias estratégicas e setores como terras raras e o Pix. “Nós não somos um puxadinho dos Estados Unidos”, afirmou.
Com trajetória ligada à comunicação e à articulação política, Edinho é visto como figura de conciliação interna no PT e nome-chave na coordenação da possível campanha de reeleição de Lula em 2026. Ao assumir o comando da sigla, afirmou que seu papel será organizar o partido para os desafios do próximo período – e, segundo ele, a defesa da soberania nacional está no centro dessa tarefa.
Confira a entrevista na íntegra
Brasil de Fato: A ofensiva de Donald Trump contra o Brasil trouxe o tema da soberania para o centro do debate. Que significados essa palavra adquire nesse momento histórico?
Edinho Silva: Olha, eu penso que nós estamos vivendo um momento histórico, né? De um ato organizado pelas entidades da sociedade civil, organizado pelas lideranças da sociedade civil brasileira, numa demonstração de defesa da nossa soberania. E eu penso que o nosso governo, o governo do presidente Lula, está acertando.
Qual deve ser a postura do Brasil diante das críticas dos EUA?
Se o debate é a questão tarifária da relação comercial entre os dois países – onde os Estados Unidos têm um superávit de 400 bilhões de dólares nos últimos 15 anos – então vamos sentar à mesa e vamos negociar, vamos conversar, achar o ponto de equilíbrio. Se é que a questão é essa, né? O diálogo tem que prevalecer. O esforço do governo do presidente Lula é pelo diálogo.
Mas se a questão é o direito do Brasil participar dos BRICS, o direito do Brasil construir relações multilaterais, construir relações econômicas que nos dê mais alternativas para as nossas exportações, importações, trocas de tecnologia, acho que esse debate tem que ser feito de forma soberana. O Brasil tem o direito de construir outras relações.
Se o debate é o Pix, um modo de pagamento que é um patrimônio do povo brasileiro, gratuito, e que pode estar ferindo interesses das empresas de crédito dos Estados Unidos, eu penso que o Brasil tem que fazer esse debate de forma soberana também. Ninguém tem o direito de dizer de que forma o povo brasileiro realiza seus pagamentos.
Se o debate são as terras raras, onde o Brasil tem 25% das reservas mundiais, o Brasil tem que fazer esse diálogo de forma soberana.
O que está por trás dessa disputa, na sua avaliação?
Eu penso que o Brasil não é um puxadinho dos Estados Unidos. Nós não somos um quintal dos Estados Unidos. Nós somos um país, nós somos um povo, nós somos uma nação – e queremos ser tratados enquanto tal, né? E esse ato diz isso: a defesa da soberania do povo brasileiro, a defesa das nossas instituições.
Trata-se de uma oportunidade para que o governo consiga impor a discussão de um programa mais à esquerda, mais próximo do que elegeu o presidente Lula em 2022, e não do que o Congresso Nacional decida como pauta prioritária?
Eu penso que é o momento do governo brasileiro – não só do governo, mas sob a liderança do presidente Lula – do povo brasileiro debater que país nós queremos.
Não só a questão da renda que o presidente Lula tem colocado, ou seja, acabar com os privilégios e acabar com a renúncia fiscal de 860 bilhões, que muitas vezes não se justifica. Eu digo que nós temos renúncia fiscal ad aeternum no Brasil. A renúncia fiscal muitas vezes se justifica para que uma cadeia produtiva se organize, se firme comercialmente, se firme economicamente.
Mas não existe nenhum lugar do mundo que tem renúncia fiscal ad aeternum. Quando a renúncia fiscal é permanente, quem paga a conta é o povo brasileiro. Porque a educação tem que funcionar, a saúde tem que funcionar, a segurança pública tem que funcionar. E se nós não estamos arrecadando, se as empresas não estão contribuindo, quem está contribuindo é o povo.
Se tem empresa não pagando tributo, ou pagando indevidamente, quem paga é quem compra o pãozinho, o arroz, o feijão, o medicamento. Nós não queremos um país de privilégios – queremos um país de igualdade de oportunidades. Então esse debate está colocado. E agora, o debate da soberania nacional.
Nós não seremos submissos a nenhum país do mundo. Queremos dialogar de forma igualitária com todos os países, mas submissão, não. Porque nós não somos um povo submisso. Nós não somos um país submisso.
Editado por: Camila Salmazio
domingo, 13 de julho de 2025
"Barroso diz em carta que tarifa de Trump se baseia em 'compreensão imprecisa dos fatos'
Barroso diz em carta que tarifa de Trump se baseia em 'compreensão imprecisa dos fatos'; leia íntegra
Presidente do STF ainda disse que diferentes visões de mundo 'não dão direito a ninguém de torcer a verdade'. Barroso ainda afirmou que julgamento contra ex-presidente ainda não foi concluído e que ele pode ou não ser incriminado.
Por Delis Ortiz, TV Globo e g1 — Brasília
13/07/2025 21h42 Atualizado há 14 minutos
MinistroLuís Roberto Barroso, do STF — Foto: STF/Reprodução
MinistroLuís Roberto Barroso, do STF — Foto: STF/Reprodução
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, publicou neste domingo (13) uma carta pública em defesa da democracia e chamou os argumentos do governo americano para o tarifaço de "compreensão imprecisa" dos fatos ocorridos nos últimos anos. (Veja íntegra da carta abaixo)
"Em 9 de julho último, foram anunciadas sanções que seriam aplicadas ao Brasil, por um tradicional parceiro comercial, fundadas em compreensão imprecisa dos fatos ocorridos no país nos últimos anos", afirmou Barroso.
O ministro ainda disse que que diferentes visões de mundo "não dão direito a ninguém de torcer a verdade".
"As diferentes visões de mundo nas sociedades abertas e democráticas fazem parte da vida e é bom que seja assim. Mas não dão a ninguém o direito de torcer a verdade ou negar fatos concretos que todos viram e viveram", afirmou Barroso.
Esta é a primeira manifestação do Supremo Tribunal Federal a respeito do anúncio feito por Donald Trump e que culpa justamente a corte de perseguir o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Na carta, Barroso citou o histórico de tentativas de ruptura institucional ocorridas nos últimos 90 anos no país – incluindo o golpe de 1964 – e, sem seguida, episódios ocorridos a partir de 2019, como:
a tentativa de atentado terrorista a bomba no aeroporto de Brasília;
a tentativa de explosão de bomba no Supremo Tribunal Federal (STF);
as acusações falsas de fraude eleitoral na eleição presidencial; e
a tentativa de golpe que, segundo a Procuradoria-Geral da República, incluía o plano para assassinar o presidente Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
"Ao lado das outras instituições, como o Congresso Nacional e o Poder Executivo, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado com sucesso os três grandes papeis que lhe cabem: assegurar o governo da maioria, preservar o Estado democrático de direito e proteger os direitos fundamentais".
Julgamento do golpe
Barroso ainda afirmou que o STF vai fazer o julgamento da denúncia da tentativa de golpe de Estado "com independência e com base nas evidências". E complementou:
"Se houver provas, os culpados serão responsabilizados. Se não houver, serão absolvidos. Assim funciona o Estado democrático de direito", afirmou.
Barroso ainda contrapôs os argumentos da carta de Trump sobre ataques a liberdade de expressão dizendo que quem não viveu períodos de ditadura não sabe o que é "falta de liberdade, tortura, desaparecimentos forçados e perseguição a juízes", como aconteceu no Brasil ao longo de sua história.
"No Brasil de hoje, não se persegue ninguém. Realiza-se a justiça, com base nas provas e respeitado o contraditório".
Veja íntegra da carta
Em 9 de julho último, foram anunciadas sanções que seriam aplicadas ao Brasil, por um tradicional parceiro comercial, fundadas em compreensão imprecisa dos fatos ocorridos no país nos últimos anos. Cabia ao Executivo e, particularmente, à Diplomacia – não ao Judiciário – conduzir as respostas políticas imediatas, ainda no calor dos acontecimentos. Passada a reação inicial, considero de meu dever, como chefe do Poder Judiciário, proceder à reconstituição serena dos fatos relevantes da história recente do Brasil e, sobretudo, da atuação do Supremo Tribunal Federal.
As diferentes visões de mundo nas sociedades abertas e democráticas fazem parte da vida e é bom que seja assim. Mas não dão a ninguém o direito de torcer a verdade ou negar fatos concretos que todos viram e viveram. A democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. A oposição e a alternância no poder são da essência do regime. Porém, a vida ética deve ser vivida com valores, boa-fé e a busca sincera pela verdade. Para que cada um forme a sua própria opinião sobre o que é certo, justo e legítimo, segue uma descrição factual e objetiva da realidade.
Começando em 1985, temos 40 anos de estabilidade institucional, com sucessivas eleições livres e limpas e plenitude das liberdades individuais. Só o que constitui crime tem sido reprimido. Não se deve desconsiderar a importância dessa conquista, num país que viveu, ao longo da história, sucessivas quebras da legalidade constitucional, em épocas diversas.
Essas rupturas ou tentativas de ruptura institucional incluem, apenas nos últimos 90 anos: a Intentona Comunista de 1935, o golpe do Estado Novo de 1937, a destituição de Getúlio Vargas em 1945, o contragolpe preventivo do Marechal Lott em 1955, a destituição de João Goulart em 1964, o Ato Institucional nº 5 em 1968, o impedimento à posse de Pedro Aleixo e a outorga de uma nova Constituição em 1969, os anos de chumbo até 1973 e o fechamento do Congresso, por Geisel, em 1977. Levamos muito tempo para superar os ciclos do atraso. A preservação do Estado democrático de direito tornou-se um dos bens mais preciosos da nossa geração. Mas não foram poucas as ameaças.
Nos últimos anos, a partir de 2019, vivemos episódios que incluíram: tentativa de atentado terrorista a bomba no aeroporto de Brasília; tentativa de invasão da sede da Polícia Federal; tentativa de explosão de bomba no Supremo Tribunal Federal (STF); acusações falsas de fraude eleitoral na eleição presidencial; mudança de relatório das Forças Armadas que havia concluído pela ausência de qualquer tipo de fraude nas urnas eletrônicas; ameaças à vida e à integridade física de Ministros do STF, inclusive com pedido de impeachment; acampamentos de milhares de pessoas em portas de quarteis pedindo a deposição do presidente eleito. E, de acordo com denúncia do Procurador-Geral da República, uma tentativa de golpe que incluía plano para assassinar o Presidente da República, o Vice e um Ministro do Supremo.
Foi necessário um tribunal independente e atuante para evitar o colapso das instituições, como ocorreu em vários países do mundo, do Leste Europeu à América Latina. As ações penais em curso, por crimes diversos contra o Estado democrático de direito, observam estritamente o devido processo legal, com absoluta transparência em todas as fases do julgamento. Sessões públicas, transmitidas pela televisão, acompanhadas por advogados, pela imprensa e pela sociedade.
O julgamento ainda está em curso. A denúncia da Procuradoria da República foi aceita, como de praxe em processos penais em qualquer instância, com base em indícios sérios de crime. Advogados experientes e qualificados ofereceram o contraditório. Há nos autos confissões, áudios, vídeos, textos e outros elementos que visam documentar os fatos. O STF vai julgar com independência e com base nas evidências. Se houver provas, os culpados serão responsabilizados. Se não houver, serão absolvidos. Assim funciona o Estado democrático de direito.
Para quem não viveu uma ditadura ou não a tem na memória, vale relembrar: ali, sim, havia falta de liberdade, tortura, desaparecimentos forçados, fechamento do Congresso e perseguição a juízes. No Brasil de hoje, não se persegue ninguém. Realiza-se a justiça, com base nas provas e respeitado o contraditório. Como todos os Poderes, numa sociedade aberta e democrática, o Judiciário está sujeito a divergências e críticas. Que se manifestam todo o tempo, sem qualquer grau de repressão. Ao lado das outras instituições, como o Congresso Nacional e o Poder Executivo, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado com sucesso os três grandes papeis que lhe cabem: assegurar o governo da maioria, preservar o Estado democrático de direito e proteger os direitos fundamentais.
Por fim, cabe registrar que todos os meios de comunicação, físicos e virtuais, circulam livremente, sem qualquer forma de censura. O STF tem protegido firmemente o direito à livre expressão: entre outras decisões, declarou inconstitucionais a antiga Lei de Imprensa, editada no regime militar (ADPF 130), as normas eleitorais que restringiam o humor e as críticas a agentes políticos durante as eleições (ADI 4.1451), bem como as que proibiam a divulgação de biografias não autorizadas (ADI 4815). Mais recentemente, assegurou proteção especial a jornalistas contra tentativas de assédio pela via judicial (ADI 6792).
Chamado a decidir casos concretos envolvendo as plataformas digitais, o STF produziu solução moderada, menos rigorosa que a regulação europeia, preservando a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de empresa e os valores constitucionais. Escapando dos extremos, demos um dos tratamentos mais avançados do mundo ao tema: conteúdos veiculando crimes em geral devem ser removidos por notificação privada; certos conteúdos envolvendo crimes graves, como pornografia infantil e terrorismo devem ser evitados pelos próprios algoritmos; e tudo o mais dependerá de ordem judicial, inclusive no caso de crimes contra honra.
É nos momentos difíceis que devemos nos apegar aos valores e princípios que nos unem: soberania, democracia, liberdade e justiça. Como as demais instituições do país, o Judiciário está ao lado dos que trabalham a favor do Brasil e está aqui para defendê-lo.
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