Cristina Serra: a volta de Lula faz bem à democracia
Fernando Brito
15/09/2020
8:38 am
Neste Brasil de tristezas, mortes, chamas, ódios e de um deserto de ideias nos jornais – já escrevo sobre a maldade que a folha estampa em sua manchete – ler o texto de Cristina Serra na edição do jornal paulista traz um pouco de volta os versos de Thiago de Mello em seu Estatutos do Homem: “até as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo”.
Conforta, afinal, saber que uma geração de jornalistas consegue escapar do que ela mesmo chama de “trapaça informativa e cognitiva sobre a qual parte relevante da imprensa brasileira precisa fazer autocrítica”.
Menos por uma preferência político partidária – as décadas que a conheço permitem garantir aos que suspeitam de tudo que a jornalista não é lulopetista, como se tornou moda dizer entre profissionais que flutuam no universo do ódio – e mais por uma compreensão de quem, por mais de três décadas, acompanhou a caminhada deste país, para o bem e para o mal, desde a redemocratização.
Cristina escreve o óbvio, mas que muitos teimam em não ver: a exclusão do ex-presidente Lula do processo político é uma deformidade que compromete a democracia brasileira e, pelo conteúdo de policialismo que contém.
Inclusive na mídia, que acata, aceita e comemora qualquer nova ação lavajatista contra ele, não importa que já cinco anos de exeme microscópio de sua vida desacreditem estas novas e ineptas ofensivas.
Antes do texto, um lembre: os textos, sempre honestos e corajosos, da jornalista podem ser todos lidos em seu blog.
Lula não pode ser “cancelado”
Cristina Serra, na Folha
No vídeo que gravou para as redes sociais no dia da Independência, Lula deu a partida para 2022. O ex-presidente percebeu a movimentação do adversário no terreno que lhe é (ou era?) favorável, o Nordeste. E está ciente das agruras do PT em ter candidatos competitivos e/ou estabelecer alianças para as eleições municipais que se aproximam.
É muito difícil saber, hoje, se o petista conseguirá candidatar-se a qualquer cargo que seja, considerando a corrida de obstáculos nos tribunais. Um dos maiores entraves é o julgamento do pedido de suspeição de Sergio Moro, o juiz-acusador que o tirou do jogo na eleição de 2018 e virou ministro da “justiça” da extrema direita violenta que nos governa.
O julgamento sobre a suspeição de Moro na Segunda Turma do STF começou em dezembro de 2018 e empacou no “perdido de vista” feito por Gilmar Mendes. O desfecho afigura-se imprevisível com a aposentadoria do ministro Celso de Mello daqui a mês e meio.
Passados quase dois anos de um governo que afronta a democracia dia sim, outro também, não deixa de surpreender que tenha vindo do ministro Edson Fachin a constatação de que a candidatura de Lula em 2018 teria “feito bem à democracia”. A postulação foi barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral com base na lei da Ficha Limpa porque Lula já havia sido condenado em segunda instância no caso do tríplex.
O PT ganhou quatro das oito eleições para presidente desde a redemocratização e ficou em segundo lugar nas outras quatro. Em 2018, recebeu 47 milhões de votos.
Independentemente das convicções e afinidades políticas de cada um de nós, é preciso reconhecer que um partido com essa representatividade não pode ser excluído do debate público. E Lula não pode ser “cancelado”. A esparrela dos “dois extremos” é uma trapaça informativa e cognitiva sobre a qual parte relevante da imprensa brasileira precisa fazer autocrítica.
Lula está de volta. E isso é uma boa notícia para a democracia.
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