Fórum Internacional dos Ministros da Agricultura, que teve o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como principal palestrante, publica a Carta de Milão, focada em segurança alimentar e programas sociais contra a fome; "esta é uma oportunidade única para disseminar a mensagem de que é possível, sim, superar o desafio da fome e da pobreza, como alguns países já estão fazendo", disse Lula; experiência brasileira foi destacada; "a grande notícia que tivemos, em 2014, foi a declaração, pela FAO, de que o Brasil não está mais no Mapa da Fome. Ter alcançado essa conquista, no espaço de apenas uma década, é motivo de orgulho para toda uma geração de brasileiros"; outro palestrante foi o brasileiro José Graziano, secretário-geral da FAO, organismo da ONU para agricultura e alimentação
5 DE JUNHO DE 2015 ÀS 10:06
É uma honra, para mim, participar da sessão de encerramento do Fórum Internacional de Ministros da Agricultura. Meus agradecimentos aos organizadores pelo convite.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
foi o principal palestrante do Fórum Internacional dos Ministros da
Agricultura, realizado nesta sexta-feira, na Itália.
No encontro, foi publicada a Carta de
Milão, focada em segurança alimentar e programas sociais contra a fome.
"Esta é uma oportunidade única para disseminar a mensagem de que é
possível, sim, superar o desafio da fome e da pobreza, como algunspaíses já estão
fazendo", disse Lula.
Leia, abaixo, a íntegra do discurso
escrito do ex-presidente:
Fórum Internacional de Ministros da
Agricultura – Expo Milão
É uma honra, para mim, participar da sessão de encerramento do Fórum Internacional de Ministros da Agricultura. Meus agradecimentos aos organizadores pelo convite.
Saúdo especialmente nosso anfitrião, o
Ministro da Agricultura da Itália, Sr. Maurizio Martina, que tanto se empenhou
pelo sucesso deste evento, e na pessoa de quem cumprimento todos os ministros e
demais convidados.
A Exposição Mundial de Milão foi
especialmente feliz ao chamar a atenção do mundo para o problema da fome. Esta
é uma oportunidade única para disseminar a mensagem de que é possível, sim,
superar o desafio da fome e da pobreza, como algunspaíses já estão fazendo.
A condição fundamental para isso é abordar
a fome e a pobreza como questões de Estado, por meio de políticas públicas
abrangentes, com fontes de financiamento previstas nos orçamentos nacionais.
O combate à fome e à pobreza é
indissociável da promoção do desenvolvimento econômico inclusivo, capaz de
gerar empregos e oportunidades, e de programas eficazes de distribuição de
renda.
A Carta de Milão, que acabamos de firmar,
contribuirá para construir uma consciência global em torno segurança alimentar,
com qualidade para a vida saudável, e da sustentabilidade ambiental, social e
econômica na produção de alimentos.
Faço votos de que esse documento tenha
ampla difusão nas escolas, nos locais de trabalho, nos meios de comunicação e
redes sociais ao redor do mundo.
Meus amigos, minhas amigas
Tenho consciência de que o convite para
falar neste evento é um reconhecimento generoso da trajetória do meu País na
superação da fome e da miséria. Este êxito pertence a todo o povo brasileiro.
Era simplesmente inexplicável que, num
país tão rico em recursos naturais e humanos, 50 milhões de pessoas, quase um
terço da população, vivessem abaixo da linha de pobreza, sujeitas à fome em
pleno Século XXI.
Acabar com a fome tornou-se o principal
objetivo do país depois que fui eleito presidente da República, em outubro de
2002. No discurso de posse, afirmei que teria cumprido a missão de minha vida
se, ao final do governo, cada brasileiro pudesse tomar o café da manhã, almoçar
e jantar todos os dias.
Investimos nesse objetivo o conhecimento
acumulado em anos de debates, estudos científicos e experiências concretas da
sociedade brasileira. Daí resultou o programa Fome Zero, criado sob a
coordenação do professor José Graziano, hoje merecidamente Diretor Geral da
FAO, por seu incansável ativismo nessa área.
O programa Fome Zero abrange um conjunto
de políticas públicas articuladas entre si, das quais a mais conhecida é o
Bolsa Família, considerado um dos melhores programas de distribuição condicionada
de renda.
O Bolsa Família, como sabem, paga uma
renda mensal às famílias mais pobres,mediante três condições: manter as
crianças na escola, garantir que tomem todas as vacinas e, no caso das mulheres
gestantes, que façam os exames de saúde.
A inscrição se faz por meio de um cadastro
nacional, fiscalizado pelo Ministério Público e atualizado permanentemente. O
pagamento é feito por meio de cartão magnético de um banco público, sem
intermediários e sem burocracia. O cartão é emitido em nome da mãe, aumentando
a garantia de que o dinheiro será usado com responsabilidade.
Com um orçamento de R$ 28 bilhões (cerca
de 10 bilhões de dólares), que corresponde a 0,5% do PIB brasileiro, o programa
atendeu em 2015 a 14 milhões de famílias, mais de 50 milhões de pessoas.
Esse dinheiro movimenta o comércio local,
aumenta a demanda por produtos básicos e ajuda a criar novos empregos, formando
um círculo virtuoso. E a população mais pobre, ao invés de ser tratada como
problema, torna-se parte essencial das soluções para o desenvolvimento.
O fortalecimento da agricultura e a
melhoria das condições de vida no campo são fundamentais no combate à fome. No
Brasil, em 12 anos, ampliamos o crédito rural de R$ 22 bilhões para R$ 180
bilhões, cerca de 60 bilhões de dólares, o que nos levou a praticamente dobrar
a produção de grãos.
Nessa estratégia, reservamos um papel
especial aos pequenos e médios agricultores. Há 4 milhões de pequenas e médias
propriedades rurais no Brasil, responsáveis por cerca de 70% dos alimentos que
vão para a mesa das famílias.
Em nosso governo, desapropriamos 51milhões
de hectares, o que representa mais da metade de toda a reforma agrária feita no
Brasil em 500 anos de história.
O crédito para os assentados da reforma
agrária, para os pequenos e os médios produtores, com juros mais baixos, passou
de R$ 2,8 bilhões para R$ 28 bilhões em 12 anos. Além de crédito, eles têm
acesso a seguro contra a quebra de safra e garantia de preço mínimo.
Aprovamos uma lei que faz os governos
locais comprarem 30% da alimentação escolar dos pequenos produtores de sua
região. Além de garantir mercado para os agricultores, isso melhora a qualidade
da alimentação escolar.
Abrimos mais de 1 milhão de cisternas nas
regiões de semiárido do País, melhorando o acesso à água para suas populações.
E criamos um programa, chamado Luz Para
Todos, que levou energia elétrica a 3 milhões de famílias rurais. Esse programa
foi financiado com uma pequena parte das contas de consumo de energia elétrica,
mas transformou a vida de milhões de pessoas.
Para levar esse projeto adiante, foram
necessários 7,3 milhões de postes, 1 milhão de transformadores e 1,4 milhão de
cabos de energia – o suficiente para dar a volta ao mundo 35 vezes. E foram
gerados 466 mil empregos, a maioria entre moradores locais.
A chegada da energia elétrica permitiu que
os agricultores comprassem bombas d'água e pequenas máquinas para agregar valor
a seus produtos. Mais de 70% dessas famíliascompraram a primeira geladeira; 80%
compraram o primeiro televisor, e assim por diante, aumentando as vendas – e os
empregos – na indústria.
Em 2008, uma das medidas que adotamos para
reagir à crise mundial foi incentivar a compra de pequenos tratores, caminhões
e implementos agrícolas, com redução de impostos e com crédito especial. Foram
vendidos 58 mil tratores e 36 mil pequenos caminhões.
As políticas de segurança alimentar, de
distribuição de renda e apoio à agricultura, combinadas com a valorização do
salários e a ampliação do crédito, resultaram num expressivo avanço social: 36
milhões de pessoas saíram da extrema pobreza, mais de 40 milhões alcançaram um
patamar de renda e consumo de classe média, 22 milhões de novos empregos foram
criados em 12 anos.
A grande notícia que tivemos, em 2014, foi
a declaração, pela FAO, de que o Brasil não está mais no Mapa da Fome. Ter
alcançado essa conquista, no espaço de apenas uma década, é motivo de orgulho
para toda uma geração de brasileiros.
Meus amigos, minhas amigas
A experiência brasileira em segurança
alimentar confirmou que o desenvolvimento do campo ajuda a produção e a geração
de empregos nas cidades.
Demonstrou também que o agronegócio pode
conviver com a pequena e média propriedade; que é possível aumentar as
exportações e ao mesmo tempo oferecer à população alimento farto, de qualidade,
a preços acessíveis. Felizmente, no Brasil, há espaço para as mais variadas
formas de produção.
Mais importante do que dobrar a nossa
produção agrícola – de 100 milhões de toneladas para 200 milhões de toneladas
por ano – foi tê-lo feito graças ao aumento da produtividade.
Nos últimos 25 anos, a produção de grãos
no Brasil cresceu 234%, mas o aumento da área plantada, nesse período, foi de
50%.
Temos 57 milhões de hectares cultivados
com grãos. O Brasil exporta 39% de toda a soja consumida no mundo. O País é o maior
produtor e exportador de suco de laranja, com 77% do mercado mundial, de
açúcar, com 45% do mercado, e de café, com 28%.
O Brasil tornou-se o maior exportador de
carne bovina, com21% do mercado, e de frango, com 34%.
O agronegócio responde hoje por 23% do PIB
brasileiro e por 30% dos empregos formais criados no País.
É muito importante lembrar que o avanço da
produção agrícola no Brasil obedece a um rigoroso zoneamento agroecológico, que
conseguimos implantar com sucesso em todo o território nacional.
Os agricultores brasileiros – de todos os
portes – compreendem a importância da preservação do solo, do manejo racional
da terra e da água e da seleção criteriosa de culturas para garantir a
sustentabilidade da agricultura.
Quero lembrar também que nesses últimos
anos o Brasil vem melhorando substancialmente os indicadores de preservação da
floresta amazônica. A área de desmatamento caiu de 27 mil hectares em 2004 para
menos de 5 mil hectares em 2014. E a recente aprovação da lei do Cadastro
Ambiental Rural vai desencadear o maior processo de recuperação florestal do
mundo.
Lembro, por fim, que o Brasil é o país que
mais tem contribuído para a redução das emissões de carbono no mundo, entre
outros motivos pela adoção massiva de práticas agrícolas corretas.
Muito desse progresso se deve ao
desenvolvimento de tecnologia de agricultura tropical pela nossa empresa
pública de pesquisa, a Embrapa, trabalho que é complementado pelas
universidades.
O conhecimento de nossos doutores,
técnicos e produtores vem abrindo caminho para novas variedades, novas técnicas
e, sobretudo, melhores práticas agrícolas sustentáveis.
O Brasil tem oferecido cooperação
tecnológica em agricultura tropical a diversos países, especialmente na África,
que tem condições climáticas, geológicas e de solo muito semelhantes às do
cerrado brasileiro.
Consideramos nossa obrigação compartilhar
esse conhecimento com países empenhados em alimentar sua população e promover o
desenvolvimento.
Meus amigos, minhas amigas
Felizmente, temos excelentes exemplos de
politicas bem sucedidas de combate à fome e à pobreza em diversos países. Isso
fortalece a nossa confiança na superação do grande desafio.
São muito estimulantes também os dados da
FAO, indicando que caiu de 1 bilhão para 800 milhões o número de habitantes do
mundo vivendo em insegurança alimentar, à mercê da fome e das doenças.
Além de continuar trabalhando para
resgatar da fome estes 800 milhões de seres humanos, o mundo precisa se
preparar para produzir mais alimentos e de melhor qualidade.
A FAO projeta que em 2050 a população
mundial terá passado dos atuais 7 bilhões para 9,2 bilhões de habitantes.
Essa perspectiva nos obriga a aumentar a
produção e incentivar o aumento da produtividade da agricultura, de forma
sustentável do ponto de vista ambiental, econômico e social.
Obriga-nos a tomar medidas para reduzir o
desperdício, seja na colheita, no transporte, no preparo ou no consumo de
alimentos.
O mundo desenvolvido pode contribuir
muito, e imediatamente, para enfrentarmos o desafio da alimentação, de duas
maneiras.
Uma delas é adotar políticas de
financiamento para o desenvolvimento da agricultura dos países mais pobres,
especialmente dos países africanos. E isso inclui a transferência de
tecnologias de produção.
A outra contribuição importante é adotar
práticas comerciais mais justas, tornando os mercados consumidores mais
acessíveis aos produtores do mundo em desenvolvimento.
Essas duas iniciativas combinadas podem
realizar o potencial agrícola do continente africano.
A África tem imensas áreas de terra
agricultável, tem fontes abundantes de água e alto potencial para geração de
energia. Tem, principalmente, uma grande população que precisa e quer trabalhar
com dignidade.
Eu tenho a convicção de que a África,
recebendo os estímulos justos e necessários, pode deixar de ser um continente
ainda marcado pela fome para se tornar um dos celeiros do mundo. Deixar de ser
um problema, para se tornar uma grande solução.
Incentivar a produção agrícola e os
projetos de desenvolvimento desses países – e também em outras regiões do
planeta – é a forma mais eficaz de combater a fome. Isso vale para hoje e para
o futuro.
Apoiar esses países, garantir acesso a
mercados, torná-los parceiros no âmbito da segurança alimentar, é a resposta ao
desafio de alimentar 9,2 bilhões de seres humanos no ano 2050.
Estou convencido de que este é também o
caminho para construirmos um mundo mais seguro para todos, um mundo de paz.
É muito significativo que os problemas de
alimentação no mundo de hoje sejam a fome, em algumas sociedades, e aOBESIDADE, em
outras.
Isso mostra o quanto temos a avançar na
construção de um mundo menos desigual, mais justo, mais equilibrado.
Por isso acredito que a pauta da fome e de
sua erradicação deve estar presente nas reuniões dos organismos multilaterais e
nas instituições que debatem as crises econômicas.
Acredito que melhorar a vida das pessoas
pobres e dos países pobres certamente melhorará a vida em todas as nações.
A cada ano crescem os contingentes de
refugiados e de deslocados internos. São pessoas que deixam sua terra,
empurradas por violência e conflitos regionais.
Acredito que é muito melhor apoiar o
desenvolvimento dos países pobres do que fechar as portas dos países ricos à
migração.
Quero concluir reiterando o agradecimento
a todos por esta oportunidade.
A melhor e mais sincera homenagem que
posso render aos organizadores da Exposição Mundial e a todos os que aqui
vieram é levar a mensagem da Carta de Milão ao meu País.
E levarei esta mensagem a todos os lugares
onde for.
Muito obrigado.
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