sábado, 4 de abril de 2015

UMA VIDA PRECOCEMENTE ARRANCADA!

A morte de uma criança é um escândalo
Este texto não é contra a polícia. Precisamos muito dela. Por isso mesmo, queremos que os policiais sejam profissionais da segurança pública, não guerreiros e que suas instituições percebam que a arma mais eficaz para as ações da polícia não é aquela que os policiais portam. A arma mais importante para uma polícia moderna é a confiança da população. Este texto não é contra os governos que têm feito pouco ou quase nada para que tenhamos polícias mais preparadas. Este texto é apenas um convite ao pensamento.
Em qualquer País civilizado, o assassinato de uma criança seria sempre tratado como um escândalo. Se o assassinato de uma criança tivesse sido cometido por um policial, bem aí estaríamos diante de um fato de tamanha repercussão, que seria muito provável que o governo caísse (em boa parte das democracias desenvolvidas o regime é parlamentarista, o que possibilita a mudança de governo em momentos de crise grave com a convocação de eleições gerais). Ocorre que as polícias dos países mais desenvolvidos não matam crianças.
Aí os sábios dizem: “Mas a realidade do Rio de Janeiro e do Brasil é muito diferente, aqui os traficantes atiram nos policiais e matam”. Sim, claro, a realidade do Brasil é muito diferente.
Começa que no Brasil a maioria das pessoas segue acreditando que é possível derrotar o tráfico com blindados, tiroteios e prisões. Há décadas, os policiais brasileiros são mandados para as periferias para reprimir o tráfico (o que, quase sempre, tem implicado em mortes de suspeitos, morte de policiais e de moradores). Quais os resultados desta política? Por acaso o tráfico diminuiu? Por acaso há menos consumo de drogas ilegais no Brasil?
Não. Todos os estudos disponíveis mostram que, apesar do aumento extraordinário de prisões de pessoas envolvidas com drogas (somos já o 3º país no mundo em número absoluto de presos) e do grande número de suspeitos de envolvimento com o tráfico mortos em ações policiais, não avançamos um milímetro na resolução do problema.
Pelo contrário, as evidências sugerem que o problema tem se tornado mais grave com o passar dos anos e que a “receita repressiva” é uma das razões para isto. Prendemos milhares de jovens pobres, a maioria deles por estarem envolvidos com drogas (traficantes e também usuários considerados traficantes). Então, os mandamos para prisões superlotadas e infectas onde eles, necessariamente, se associam a facções criminais. Alguma delas, como o PCC em São Paulo, surgidas dentro das prisões. Parte destes jovens, ao saírem das prisões, estará apta a praticar crimes mais graves do que aqueles pelos quais foram condenados. Outra parte, que não deseja mais envolvimento com o crime, será sempre tratada como “bandido” e nenhuma porta irá se abrir para que os egressos tenham um emprego formal. O estigma social se encarregará de empurrar esta segunda parte de volta para alternativas ilegais de sobrevivência.
A receita de combater o tráfico de drogas nos marcos de uma “guerra” é infalível para aumentar a violência e para fortalecer o crime. É também um caminho seguro para que policiais e pessoas inocentes morram. O que está errado, então, inicialmente, é a política de “guerra às drogas”.
Por isso, em muitos outros lugares no mundo, os governos procuram políticas mais eficientes com foco maior na prevenção. Eles estão tentando enfraquecer o tráfico retirando-lhes frações do mercado. Daí, por exemplo, as iniciativas de legalização da maconha nos EUA. No Brasil, muitos policiais mais conscientes já perceberam a necessidade de construir experiências semelhantes, mas os governos e os políticos, em sua grande maioria, recusam esta discussão porque temem perder votos.
Diante do senso comum desinformado e do medo disseminado socialmente, sempre é mais fácil repetir chavões do tipo “bandido bom é bandido morto” ou “se não gosta da polícia, chame o Batman”. São exatamente estas frases feitas que assinalam a ausência de pensamento e que nos empurram para o fundo de novas tragédias.
Algumas pessoas comentaram em outro post aqui que a criança morta era um “bandido”, fotos de uma criança armada foram postadas para sustentar o assassinato (quando a vítima nada tinha a ver com aquela foto) e houve quem perguntasse o que uma criança estava fazendo no meio de um tiroteio, quando todas as testemunhas afirmam que não havia tiroteio algum. O que este tipo de reação revela? Há traficantes que moram em mansões no Rio. Normalmente, este tipo de traficante não tem qualquer contato com os morros. Refiro-me a pessoas que se especializaram na lavagem de dinheiro, na montagem de esquemas com "offshores" para depósitos do dinheiro do tráfico em paraísos fiscais etc. E se a polícia fosse prendê-los? Qual seria a operação padrão? Por acaso entrariam em um condomínio de luxo atirando? Por acaso haveria a possibilidade de alguma criança ser baleada na cabeça enquanto brincava em frente a sua casa?
Não. Nestes espaços, os policiais atuariam segundo o que a lei determina. Teriam um mandado judicial de busca e apreensão, ordens judiciais de prisão etc. Por que as operações em comunidades pobres devem ser de outra natureza? Ah, mas nas favelas os traficantes recebem os policiais à bala? Mais uma razão para evitar este tipo de confronto em regiões densamente povoadas em que um tiro de fuzil pode transpassar facilmente paredes de residências e atingir inocentes. A vida de uma só criança deveria nos importar mais do que a soma de todas as prisões por tráfico. Qualquer polícia de qualquer país civilizado seria a primeira a considerar isto. Mas, no nosso caso, o discurso da guerra, que produz imbecis em série e mais frases prontas, autoriza tiroteio em favelas e trata a morte de uma criança como um “dano colateral”. Não é. A morte de Eduardo de Jesus Ferreira é o símbolo de um País que reproduz seu passado como um pesadelo. Talvez porque se recuse a pensar.

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