quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Lula prometeu e cumpriu: pobre no orçamento e rico no Imposto de Renda

Leonardo Attuch Leonardo Attuch é jornalista e editor-responsável pelo 247. Lula prometeu e cumpriu: pobre no orçamento e rico no Imposto de Renda O que parecia impossível se torna realidade nesta quarta-feira 26 26 de novembro de 2025, 04:21 h Na primeira metade do terceiro mandato do presidente Lula, o Brasil voltou a colocar os mais pobres no centro das políticas públicas. E não foi apenas retórica – os números apresentados pelo Ipea nesta terça-feira (25) apontam que o Brasil alcançou, em 2024, os melhores indicadores de renda, desigualdade e pobreza desde o início da série histórica, em 1995. Segundo o estudo conduzido pelos pesquisadores Pedro Herculano Souza e Marcos Dantas Hecksher, a renda domiciliar per capita cresceu cerca de 70% em três décadas, a desigualdade caiu quase 18% e a extrema pobreza despencou de 25% para menos de 5% da população. TV 247 Siga o Brasil 247 no Google e receba as principais notícias do Brasil e do Mundo Seguir no Google Os dados mostram que o avanço recente tem origem clara: a combinação entre fortalecimento dos programas sociais – marca dos três governos Lula e dos dois governos Dilma – e um mercado de trabalho aquecido, com mais empregos e salários mais altos. Entre 2021 e 2024, a renda média real cresceu mais de 25%, com redução simultânea da pobreza e da desigualdade. Não é pouca coisa num país que enfrentou recessão, crise política, pandemia e um ciclo prolongado de austeridade – sobretudo após o golpe de estado de 2016, contra a ex-presidenta Dilma Rousseff. Se Lula prometeu colocar o pobre no orçamento, a primeira parte dessa promessa está cumprida. Agora começa a segunda: colocar o rico no Imposto de Renda. Nesta quarta-feira (26), às 10h30, o presidente sanciona a lei que promove a mais significativa mudança no Imposto de Renda Pessoa Física em décadas. A faixa de isenção sobe para R$ 5 mil mensais, atendendo a uma demanda reprimida da classe média. Quem ganha até R$ 7.350 também terá direito a descontos simplificados. Cerca de 15 milhões de brasileiros deixarão de pagar Imposto de Renda imediatamente. É um alívio concreto para quem foi esmagado pela defasagem acumulada da tabela. Ao mesmo tempo, o compromisso de justiça fiscal se materializa com a taxação adicional sobre rendimentos acima de R$ 600 mil anuais em dividendos. É o início da aplicação do conceito de progressividade tributária: quem ganha mais, também paga. O movimento do governo brasileiro acompanha uma tendência internacional. Países desenvolvidos voltaram a discutir e implementar taxações mais robustas sobre altos patrimônios e grandes rendas. Não há Estado forte sem financiamento adequado, e não há financiamento justo quando o peso recai sobre os trabalhadores, enquanto os rendimentos financeiros ficam praticamente intocados. Ao tentar restabelecer um equilíbrio mínimo da tributação, Lula resgata o espírito que marcou seus governos anteriores: elevar o padrão de vida das maiorias, reduzir desigualdades e fazer com que os mais favorecidos contribuam proporcionalmente para o financiamento das políticas públicas. A nova lei é, portanto, mais do que uma mudança técnica. Trata-se de um gesto político que sintetiza um projeto de país – um país em que crescimento econômico e combate à desigualdade caminham juntos. O estudo do Ipea reforça que a redução atual da pobreza e da desigualdade não é acidental. Ela decorre de duas forças equivalentes: um mercado de trabalho aquecido, gerando mais empregos e melhores salários, e o fortalecimento dos programas sociais, como o Bolsa Família. De acordo com o estudo do Ipea, ainda há 4,8% da população em extrema pobreza e 26,8% abaixo da linha de pobreza. O mérito do governo está justamente em apontar o caminho para reduzir ainda mais esses números com medidas estruturais – e não com atalhos improvisados. No dia de hoje, começa a ser cumprida a promessa fiscal do governo Lula 3: tornar o sistema tributário mais justo, aliviar a classe média e fazer com que os muito ricos também contribuam. O que antes parecia impossível tornou-se realidade neste 26 de novembro. Quanto à grande notícia de ontem, sobre o início do cumprimento da pena do inominável e dos militares golpistas, que seja página virada na história do Brasil, que finalmente começa a construir um novo tempo. * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

A PRISÃO DE AUGUSTO HELENO HOJE NÃO É APENAS UM ACONTECIMENTO JURÍDICO

Beta Bastos A prisão de Augusto Heleno hoje não é apenas um acontecimento jurídico. É um marco histórico que expõe o esgotamento de uma mentalidade militar que atravessou décadas intacta, acreditando que nunca seria chamada a responder pelos próprios atos. A queda do general revela mais sobre as estruturas que o formaram do que sobre sua biografia individual. Heleno sempre representou o produto de uma formação castrense que se vê acima da sociedade civil, guardiã de uma nação imaginária, disciplinada à força e constantemente ameaçada por inimigos internos. Sua trajetória, porém, não é feita apenas de discursos; é marcada por interferências políticas indevidas, desprezo por mecanismos democráticos e participação ativa na erosão institucional do país. Ainda como comandante no Haiti, Heleno ganhou fama por sua postura agressiva e por declarações que beiravam o rompimento com protocolos diplomáticos. De volta ao Brasil, tornou-se um dos generais mais vocalmente hostis ao processo democrático, atacou o Congresso, desqualificou a Constituição, defendeu “intervenção militar” e ajudou a alimentar a fantasia do militar como árbitro da República. Foi um dos primeiros oficiais de alta patente a flertar publicamente com teses golpistas. No governo Bolsonaro, sua atuação aprofundou esse histórico. Como chefe do GSI, participou do ambiente que legitimou ataques ao STF, pressionou instituições de controle, alimentou teorias conspiratórias e blindou estruturas que operavam paralelamente do gabinete do ódio ao assédio sistemático contra jornalistas. Heleno ajudou a transformar o Estado em trincheira ideológica, algo incompatível com qualquer democracia madura. Quando o país mergulhou em polarização e ressentimento, Heleno não precisou mudar, o bolsonarismo apenas amplificou o que ele já carregava. No governo, assumiu a postura simbólica do general-tutor, legitimando ataques às instituições, alimentando a retórica de conflito permanente e naturalizando a presença militar no centro do poder civil. A prisão de hoje expõe o limite dessa fantasia tutelar. Mostra que a democracia, mesmo ferida, ainda é capaz de impor responsabilidade, inclusive aos que sempre se imaginaram intocáveis. Não se trata apenas de um general atrás das grades, mas do colapso de uma mentalidade que se acreditava acima das regras e da História. Heleno simboliza a persistência de uma transição democrática incompleta. Por décadas, parte da alta oficialidade envelheceu sem aceitar que o poder pertence ao povo, não aos quartéis. Hoje, sua prisão sinaliza uma ruptura, a de que nem a nostalgia autoritária, nem o mito do “poder moderador”, nem a retórica da salvação militar são suficientes para blindar quem tentou corroer a ordem democrática. Seu legado é estrutural, e sua queda também. O Brasil está vendo, finalmente, que a democracia só se consolida quando aqueles que a ameaçam deixam de ocupar o lugar de intocáveis.A PRISÃO

terça-feira, 25 de novembro de 2025

POR QUE EDUARDO, CARLA ZAMBELLI E RAMAGEM FUGIRAM E BOLSONARO TAMBÉM IRIA FUGIR

Por que Eduardo, Carla Zambelli e Ramagem fugiram e Bolsonaro também iria fugir “Todos eles têm certeza de que o cenário político será revertido e o fascismo retornará ao poder”, escreve Moisés Mendes 25 de novembro de 2025, 12:10 h 360 Partilhas whatsapp-white sharing button 14twitter-white sharing button 12facebook-white sharing button 332email-white sharing buttoncopy-white sharing button Bluesky LogoBluesky Bluesky LogoThreads 🇬🇧 English Translate to English Ouvir artigoÍcone de conversão de texto em fala Ex-presidente Jair Bolsonaro ao lado do deputado federal Alexandre Ramagem 06/10/2024 Ex-presidente Jair Bolsonaro ao lado do deputado federal Alexandre Ramagem 06/10/2024 (Foto: REUTERS/Ricardo Moraes) Apoie o 247 Siga-nos no Google News Além dos que já estão fora do Brasil, todos os bolsonaristas que planejam fugas são contagiados pelo mesmo otimismo: é preciso fugir agora, porque o cenário será outro em pouco tempo e eles voltarão. TV 247 Siga o Brasil 247 no Google e receba as principais notícias do Brasil e do Mundo Seguir no Google Pensam assim os manés condenados pelo 8 de janeiro, que fugiram para a Argentina, e pensam do mesmo jeito Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli, Allan dos Santos e Alexandre Ramagem. Ramagem resumiu, depois de admitir que mora em Miami, em um condomínio de luxo, como foragido da Justiça, o que planeja para daqui a pouco. Ele e a família irão voltar. Imaginam que o sistema de que tanto falam – o político, o Judiciário e todos os sistemas institucionais – será enfim submetido a um controle que o bolsonarismo tentou, mas não exerceu a pleno no mandato criminoso encerrado em 2022. Bolsonaro estava tentando fugir porque tinha a certeza de que um dia voltaria para controlar o sistema. Foragidos e exilados são otimistas. Sempre foi assim, desde a fuga de João VI para o Brasil. É assim em todos os tempos, à esquerda e à direita. Foi assim quando Jango e Brizola fugiram do golpe. Foragidos e exilados com histórico de ativismo político, cada um com seus problemas, não pensam como o homem comum que foge da polícia e da Justiça. Este sabe que pode ser caçado para sempre. O político acredita na reversão de humores, cenários e expectativas. A fuga é algo muito transitório e o asilo é uma situação reversível. É o que todos eles pensam, sendo democratas fugindo de ditaduras, como aconteceu após o golpe de 64, ou fascistas fugindo da Justiça, como acontece agora com figuras do bolsonarismo. Eles têm o que o fugitivo comum não tem. Têm voto, base popular. O bolsonarismo tem também a certeza de que toda essa base, da estrutura social da extrema direita, do lastro político que importa, está intacta. Não a estrutura militar golpista, hoje esfacelada, mas a civil, a das bases que se interligam por todos os meios e se articulam via centrão para ampliar presença no Congresso na eleição do ano que vem. Eles não fogem por projetarem uma vida no exterior por um tempo médio ou longo. Fogem para escapar da ameaça imediata da cadeia e para recarregar energias e estratégias. Mas sempre certos de que voltarão, porque o fascismo, mesmo abalado, ainda lateja, sustentado pelas lideranças e por quadros intermediários estaduais e municipais com poder paroquial, e pelos eleitores da velha direita que virou hospedeira do bolsonarismo. Bolsonaro pode ser dado como morto, e Michelle e os filhos dele poderão até sofrer rejeição do centrão como alternativas para 2026, mas a índole da direita brasileira é agora bolsonarista. É nisso que os foragidos apostam: que a reacomodação acontecerá já na eleição de 2026, com mais deputados e senadores. Será uma campanha sob comando não do bolsonarismo puro, mas muito mais de Ciro Nogueira, Gilberto Kassab e Valdemar Costa Neto. A extrema direita tem certezas. Tentaram o golpe porque haviam sido convencidos de que daria certo. Fracassaram e convenceram-se da impunidade. Bolsonaro fugiu para os Estados Unidos antes do 8 de janeiro para voltar vitorioso. Voltou derrotado, mas circulou livre e solto até ser julgado e condenado, ficar retido em casa e, na ação mais desastrada, tentar manejar um ferro quente de solda. Os Bolsonaros, Ramagem, Zambelli e os que planejam fugas apostam que fugirão e que voltarão, porque sempre haverá um centrão e porque os financiadores do golpe continuam impunes e articulados no vasto interiorzão, como os empresários que mandaram bloquear estradas e derrubar torres de alta tensão. E sempre haverá militares fascistas de prontidão à espera da reversão. Por isso, Eduardo ainda não desistiu do projeto de sabotar o Brasil, Lula e Alexandre de Moraes, apesar da indiferença de Trump. Também há otimismo no desespero. A nova investida pela anistia e a retomada das ameaças ao Supremo são decisivas nessa aposta. Há muito fascismo impune e em brasa sob o cadáver em cinzas de Bolsonaro. * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

KAKAY: BOLSONARO: O ESCOLHIDO DE UMA ELITE PODRE

KAKAY: Bolsonaro: o escolhido de uma elite podre Como uma figura tão deplorável chegou a Presidência da República? É assustador 24/11/2025 | 15h31 Compartilhe KAKAY: Bolsonaro: o escolhido de uma elite podre Por Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay “O homem é livre para suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências.” Pablo Neruda É muito chocante a gravação da diretora da Polícia Federal com o ex-presidente Bolsonaro sobre o rompimento da tornozeleira eletrônica. Este cidadão é bizarro. Um deboche à dignidade. O que temos que indagar é como chegamos a este fundo do poço. Quem são estas figuras escatológicas que apareceram de um esgoto tóxico para assumirem poder no mundo. Bolsonaro é desprezível. Machista. Misógino. Racista. Inculto. Violento. Um absoluto zero em qualquer situação. Como uma figura tão deplorável chegou a Presidência da República? É assustador. Por mais que ele represente todos os interesses inconfessáveis de todos os esquemas, deveria ter algum outro mais palatável. A milícia, os corruptos, os assassinos de aluguel, os grileiros, os usurpadores da política, os donos do crime organizado, a Faria Lima, enfim, vocês não tinham alguém com um pouco mais de inteligência, verniz, senso do ridículo? Ou a ideia era esta? Demonstrar poder colocando na Presidência da República uma pessoa completamente inepta. Para ser gentil na qualificação. Mais do que um idiota. Uma vergonha. Todos os episódios da vida política de Bolsonaro devem ser rigorosamente analisados. Ele nunca se escondeu. Foi um idiota assumido. Um fascista orgulhoso da tortura, da violência, do asco às mulheres, aos negros, aos pobres. Como este foi o nome escolhido pela elite brasileira para representá-la? Que doença é esta? O dono de um banco, de uma empresa com participação no mercado mundial, um proprietário de terras com dimensões inacreditáveis, enfim, os pretensos donos do Brasil, apostaram nesta deplorável figura? Quem são estes donos do Brasil? Agora a defesa alega que ele tentou romper a tornozeleira por ter tido um surto. Respeito todas linhas de defesa e, reconheço, não li a peça. Mas uma coisa é certa: nesta linha, não existe mais a hipótese de prisão domiciliar. Ou será a Papuda, como é a regra, ou um hospital psiquiátrico dentro da Papuda. Simples assim. Ainda bem que existe um Brasil que pulsa, que resiste a esta opressão humilhante. Um Brasil honesto. Trabalhador. Negro. Pobre. Digno. Que acredita ser possível um mundo mais justo, igual e humano. Este é o Brasil que elege o Lula. Um tapa na cara desta elite podre. Um sopro de esperança. Uma hipótese de resistência. Por mais que possamos criticar o governo do presidente Lula, o seu exemplo de dignidade na adversidade, o seu caráter, a sua postura quando foi perseguido pela Lava Jato, sua opção para acabar com a fome no Brasil, enfim, sua história de vida faz o contraponto entre a dignidade e a barbárie. Tudo me remete ao grande Pessoa no “Livro do Desassossego”: “Tenho a náusea física da humanidade vulgar E capricho às vezes em aprofundar estas náuseas como se pode provocar um vômito para aliviar a vontade de vomitar.” *Advogado

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Desembargador de SC manda carta à moradora do Complexo da Penha: ‘Estou andando ao seu lado’

Amanda Miranda Formada pela UFSC, com mestrado em educação científica e doutorado em Jornalismo na mesma instituição. Tem pós doutorado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Servidora pública federal e ativista pelo direito à informação, tem se dedicado a monitorar mandatos extremistas bolsonaristas. Colunistas ICL Desembargador de SC manda carta à moradora do Complexo da Penha: ‘Estou andando ao seu lado’ Magistrado tomou posse em março e viralizou com discurso sobre ameaças do fascismo 04/11/2025 | 06h58 Compartilhe Desembargador de SC manda carta à moradora do Complexo da Penha: ‘Estou andando ao seu lado’ O desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), João Marcos Buch, conhecido durante seu período na Vara de Execuções Penais de Joinville por enviar cartas a detentos e seus parentes, redigiu um longo texto para uma mulher desconhecida no Rio de Janeiro. “Dona Nice” está a quilômetros de distância, mas enfrenta uma realidade que, na magistratura, ele tenta combater. A senhora, abordada por uma emissora de televisão enquanto retornava para casa após a Operação que vitimou 121 pessoas no Rio de Janeiro, fez com que o magistrado se sentisse profundamente comovido. Ao longo da carta, ele cita ação conhecida como “ADPF das favelas”, que ele considera não ter sido “muito bem respeitada” pelas forças de segurança. Buch explica, no texto, pontos que fazem parte da lei e que podem ter sido violados. Entre eles estão o uso proporcional da força, câmeras nas viaturas, elaboração de um plano de reocupação de territórios invadidos por organizações criminosas e a entrada da Polícia Federal nas investigações contra milícias e tráfico de drogas interestadual e internacional. O magistrado, cujo discurso de posse como desembargador viralizou nas redes sociais no início do ano ao mencionar o termo “fascismo”, também escolhe o termo “chacina” para falar sobre a operação e suas consequências “extremamente letais sobre as comunidades marginalizadas”. No texto, ele também questiona a “fórmula do confronto”, que considera “fadada ao fracasso”. “Por que é tão difícil que governos e autoridades entendam que somente políticas públicas inclusivas, articuladas à segurança pública, podem trazer benefícios reais para toda a sociedade?”. Leia a íntegra da carta, repassada à colunista: Uma carta para dona Nice Querida dona Nice, escrevo-lhe com afeto e respeito. Meu nome é João Marcos, moro em Santa Catarina e trabalho com a Justiça. Sou desembargador, nome dado a juízes que atuam em recursos nos tribunais. Na última terça-feira, vi sua entrevista no jornal da TV. A senhora voltava para casa, com sacolas de supermercado nas mãos, e foi parada por uma repórter que queria saber sobre a chacina ocorrida mais cedo nos complexos da Penha e do Alemão, onde mais tarde se viria a constatar que 121 pessoas (pode ser além) haviam sido mortas, na mais sangrenta intervenção da segurança pública já ocorrida no Rio de Janeiro e no Brasil dos tempos atuais. Sua entrevista me marcou profundamente. Moradora desde sempre da Penha, a senhora disse que já não tinha mais esperança, que, nessa altura da vida, tendo visto tanta tragédia, tantas operações policiais, tantas pessoas próximas assassinadas, não acreditava mais que um dia a vida melhoraria — tudo era tristeza. Em seguida, a senhora se despediu da repórter e retomou seu caminho para casa, cambaleante, cansada, segurando as sacolas. Hoje já é domingo; faz cinco dias que eu penso na senhora, faz cinco dias que estou andando ao seu lado, faz cinco dias que tento carregar as suas sacolas até sua casa. Por isso, querida Dona Nice, com o coração inquieto, mesmo sem saber nada da sua vida, senão o fato de que a senhora perdeu a esperança, resolvi lhe escrever. Eu sei que esta carta nunca chegará a seu destino, pois nunca a postarei. Impotente que sou para modificar um átomo de sua vida e para lhe oferecer uma centelha de esperança, escrevo-lhe porque não consigo fazer diferente, porque não sei mais se a esperança também me abandonou. Assim como nas favelas de Florianópolis, já estive em favelas do Rio; já me encharquei da beleza e da bondade de pessoas que tão bem me acolheram. E já testemunhei muita dor e injustiça. Entretanto, o fato é que nada mais conheço, além de que a vida de quem mora nessas comunidades periféricas é carente de direitos e de oportunidades. Sabe, Dona Nice, sempre tive o cuidado de não me arvorar em senhor das verdades, e me incomoda muito ver quem acha que sabe de tudo — cegado por redes sociais e algoritmos —, pessoas com quem é impossível argumentar com base em fatos e lógica. É desolador ouvir suas vozes celebrando a chacina, justificando o horror com acusações sem conhecimento de causa sobre crimes antes cometidos. De onde vem esse ódio? De que veneno se alimentam esses seres humanos? Onde está sua bondade, sua compaixão? Fico a pensar o que essas manifestações causam na senhora, que tanto já testemunhou e viveu. Será que a senhora ainda chora, ainda se revolta com a opressão e a violência que sua comunidade sofre? Essa chacina, para mim, que vivo em um apartamento confortável, localizado em um bairro seguro, saneado, arborizado, com espaços de cultura e lazer, provocou espanto, lamento e indignação. Porém, quando a pessoa tem sua dignidade tão ferida e há tanto tempo, ela acaba perdendo a consciência de que aquela situação fere de morte seus direitos. Então, não sei o quanto isso tudo lhe afetou; só sei que a esperança lhe foi roubada. Em meus estudos e em meu trabalho, aprendi algo sobre o fenômeno da violência urbana. Depois de algum tempo procurando entender nossa sociedade, tomei conhecimento de que a fórmula do “confronto” na segurança pública é fadada ao fracasso (a senhora sabe disso bem antes de mim). Essa fórmula ceifa vidas de todos os lados e não supera as dificuldades das comunidades vulnerabilizadas. Por que é tão difícil que governos e autoridades entendam que somente políticas públicas inclusivas — de habitação, saneamento, saúde, educação, empregabilidade, cultura e lazer — articuladas à segurança pública, podem trazer benefícios reais para toda a sociedade? No país, nós temos o Supremo Tribunal Federal (STF). Pois bem, a mais alta corte da Justiça definiu, em uma ação proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (ADPF n.º 635, conhecida como ADPF das Favelas), que o governo do Rio deve seguir diversas regras nas operações policiais, como o uso proporcional da força, câmeras nas viaturas, elaboração de um plano de reocupação de territórios invadidos por organizações criminosas, bem como a entrada da Polícia Federal nas investigações contra milícias e tráfico de drogas interestadual e internacional. Olha, Dona Nice, parece que o Supremo não foi muito bem respeitado. Creio, inclusive, que logo logo autoridades terão de prestar contas. Aliás, até a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do seu Alto Comissariado dos Direitos Humanos, declarou que essa operação policial — que eu chamo de chacina — ampliou a tendência de consequências extremamente letais sobre as comunidades marginalizadas e enfatizou que as autoridades têm obrigação perante as leis internacionais de direitos humanos. Mas o que isso importa, não é? A chacina já aconteceu, vidas foram ceifadas, até policiais morreram — e não consigo imaginar a dor das famílias que tiveram seus entes sequestrados de suas vidas para todo o sempre. Ainda sinto que um dia a justiça alcançará a todos os cidadãos, que as instituições funcionarão conforme a Constituição e que a dignidade da pessoa humana será, em definitivo, fundamento da República. Dona Nice, inspirado na leitura de um livro chamado Antes que as Palavras te Abandonem, de um grande amigo, Leonardo Tônus, em que um imigrante, à procura de um amigo refugiado afegão em Berlim, escreve-lhe cartas, eu lhe digo que, se pudesse, eu a abraçaria e afirmaria, com o coração aberto, que não importa mais o resultado da luta, mas a capacidade de entender o seu chamado. Dona Nice, neste Brasil tão sangrento, de séculos de escravidão, racismo, patriarcado e colonialismo, não tenho o direito de lhe pedir que volte a ter esperança. Entretanto, ouso lhe pedir outra coisa: atenda nosso chamado, não desista de mim, não desista de nós, não desista da humanidade. Querida Dona Nice, a senhora é a nossa esperança, volte, João Marcos Buch Desterro, 02/11/25 – finados

domingo, 2 de novembro de 2025

BASTA DE FAZER POLÍTICA COM SANGUE

Basta de fazer política com sangue Em Gaza ou na Penha, a dor de uma só mãe é a dor de todas Jandira Feghali Jandira Feghali 1 nov 2025 - 05h00 Compartilhe Tomaz Silva/Agência BrasilBasta de fazer política com sangue Em junho, escrevi um artigo para a Carta Capital que intitulei “Todas as Mães Pensam em Gaza”. Naquele momento, tentava imaginar a dor das mulheres palestinas, destinadas a ver seus filhos morrerem em meio às bombas e aos tiros israelenses. Nesta quinta-feira, na Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, esta dor se materializou, desgraçadamente, na minha frente no choro incontido de dezenas de mulheres cariocas, a quem foi negado, no mínimo, o direito de ver seus filhos presos, e não mortos, meros números da maior chacina deste século no Brasil. Em Gaza ou na Penha, a dor de uma só mãe é a dor de todas. E esta dor me atravessou profundamente ao ouvir os relatos do pesadelo sem fim que estas mulheres estão vivendo desde terça-feira, quando 2,5 mil policiais entraram nos complexos da Penha e do Alemão e mataram ao menos 121 pessoas, sob o pretexto de prender o traficante Doca e de livrar o território do crime. O bandido continua à solta e as comunidades, aprisionadas pelo medo. Mas, para o governador do Rio, Cláudio Castro, a “operação” foi um sucesso, à exceção dos quatro policiais que ele enviou para a morte – um deles tinha apenas 40 dias na corporação. Castro empilhou corpos para montar um palanque eleitoral e tentar mudar a pauta da política, que, claramente, colocava a extrema direita na defensiva nos últimos meses. Frieza ideológica Ao dizer que as únicas quatro vítimas da chacina foram os policiais, o governador infligiu uma dor extra às mães do Alemão e da Penha. Pude ver, ao lado de colegas parlamentares e de duas ministras de Estado, como estas mulheres vêm sendo revitimizadas desde então. Primeiro, as ouvimos na sede da Central Única das Favelas (CUFA); depois, na frente do Instituto Médico Legal (IML). Histórias que nenhuma mãe e nenhum pai gostariam de ouvir. “Nenhuma mãe cria o filho para isto”, repetia uma mulher na unidade do Detran, ao lado do IML, que passou a servir de local de atendimento para os familiares dos mortos, tamanha a quantidade de corpos. Uma outra não conseguia autorização para ver o corpo decapitado do filho. Uma terceira contava como dois irmãos foram encontrados abraçados na mata, mortos com tiros na nuca. E eu, que sou mãe também, fiquei estarrecida com a frieza ideológica da subsecretária de Polícia, Andréa Menezes, responsável pelas perícias no IML, insensível à dor daquelas mulheres, de quem parecia querer distância. Chegou a dizer que nunca viverá uma situação dessas, pois sabe “criar bem” os filhos. Inominável. Jandira foto pablo porciuncula afp Moradores da Penha choram seus mortos (Foto: Pablo Porciúncula/AFP) Infelizmente, como esta senhora do IML, parte da população do Rio, como de todo o país, maltratada pela recorrente ausência de políticas estaduais sérias de segurança pública, também acredita na velha falácia do “bandido bom é bandido morto”. Para estas pessoas, ser preto e morar numa favela são crimes hediondos; o fato de não haver pena de morte no Brasil é mero detalhe (e o racismo se esconde nos detalhes). Objetivos eleitoreiros Cláudio Castro também pensa assim, mas seu papel é ainda mais venenoso: ele transforma operações policiais em espetáculos de assassinato em busca de votos. Nessa repetição de justiçamentos deliberados, que ele chama de “combate ao crime”, o governador autorizou 890 mortes em chacinas policiais em cinco anos de governo, segundo o Instituto Fogo Cruzado. Mas há outro detalhe ardiloso nas mentiras que Castro passou a contar sobre o Rio estar “sozinho na luta contra o crime”, numa tentativa de jogar a culpa de seus crimes no governo federal. O uso planejado da palavra “narcoterrorismo” surgiu em seus discursos e de outras autoridades estaduais. Logo em seguida, foi emulado nas redes bolsonaristas e ecoadas por parte da imprensa corporativa. Enquanto estávamos na Penha nos solidarizando com os familiares das vítimas, governadores de direita, todos de olho em prejudicar o governo Lula com objetivos eleitoreiros, vieram prestar solidariedade a Castro em seu palácio. Todos repetiram a palavra “narcoterrorismo”. Após meses de revezes, o campo bolsonarista tenta se reorganizar em torno do discurso do medo. Formaram um “consórcio da paz”, que celebra a morte, e se articulam para pautar um projeto de lei que equipara facções a grupos terroristas – como uma forma de possibilitar uma intervenção imperialista de “guerra ao terror” dos americanos, perigosamente voltada para a América Latina no desgoverno Trump. Com isso, miram três alvos simultâneos: atrapalhar a retomada do bom relacionamento entre Brasil e EUA (minada pelas fake news bolsonaristas); forçar uma interferência descabida em nossa soberania (não podemos esquecer o pedido de Flavio Bolsonaro para que os EUA bombardeassem o Rio); e encaixar uma pauta populista e extremista para as eleições do próximo ano. Truculência e espetáculo É preciso desmontar as mentiras golpistas da extrema-direita, que tanto mal têm feito ao país nos últimos anos. E dizer à população que há, sim, alternativa para derrotar o crime organizado, e ela já vem sendo aplicada pelo governo federal, de forma integrada entre Polícia Federal, Ministério Público, Receita Federal e outros órgãos públicos, como na Operação Carbono Oculto, que desarticulou o esquema financeiro do PCC no setor de combustíveis sem dar um tiro. A PEC da Segurança, proposta pelo governo Lula, articula a coordenação nacional no combate ao crime organizado. Mas Castro e seus governadores aliados do “consórcio da paz” não querem saber disso por motivos, mais uma vez, eleitoreiros e temerosos da descoberta de ligações econômicas e políticas com o crime. Está provado que inteligência e planejamento são mais eficazes que truculência e espetáculo. Fazem justiça, não justiçamento. E justiça é o mínimo que devemos às mães do Alemão e da Penha que tiveram seus filhos, criminosos ou não, mortos num tribunal de exceção. Vamos combater, de fato, o crime e retirá-lo do comando dos territórios do nosso estado. Não existe pena de morte no Brasil. Basta de fazer política com sangue.