sábado, 31 de maio de 2025

DE AUSCHWITZ A GAZA

De Auschwitz a Gaza Gaza foi transformada no maior campo de concentração a céu aberto jamais conhecido pela humanidade 31 de maio de 2025, 13:15 h
Israel já assassinou mais de 16.500 crianças em Gaza durante o genocídio Israel já assassinou mais de 16.500 crianças em Gaza durante o genocídio (Foto: Reuters) Bluesky LogoBluesky Bluesky LogoThreads Apoie o 247Siga-nos no Google News Gaza foi transformada no maior campo de concentração a céu aberto jamais conhecido pela humanidade. Um inimaginável “corredor da morte” onde o povo palestino, mais da metade crianças, aguarda a condenação sem sursis ditada pelo inimigo luciferino assustadoramente belicoso e perverso. E, na mesma medida, covarde. O governo sionista de Israel promove, há meses, sob as vistas cegas da comunidade internacional, cínica, uma declarada limpeza étnica. Nesse verdadeiro “campo de concentração e extermínio” os desgraçados não caminham com seus próprios pés para as câmaras de gás a que eram condenadas as vítimas do nazismo: são destroçados pelas bombas do moderníssimo exército do Estado de Israel, fundado em 1947 sob os auspícios da ONU exatamente para garantir um lar ao povo sobrevivente do holocausto. Como os judeus de ontem, os palestinos de hoje não têm condições de defesa; mas sobre eles (como se a fome, o vilipêndio e o roubo de suas terras não fossem suficientes) um poderoso exército – aviões supersônicos, drones, mísseis, tanques de guerra e toda sorte de artilharia – vomita bombas. Trata-se de um genocídio operado às claras e à sombra da iniquidade moral de uma comunidade internacional que a tudo assiste impassível. Ao contrário dos prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz, as vítimas de hoje não podem sonhar com a libertação do Exército Vermelho, que em janeiro de 1945 avançou sobre a Polônia a caminho de Berlim. Ninguém marcha em seu socorro. Estão abandonadas “à própria sorte”, que se tem revelado madrasta. Os que escaparem do cerco de Gaza já estão condenados à ausência de futuro: sem pátria e sem terra, não terão para onde ir. São pobres, e não dispõem de uma cadeia de proteção espalhada pelo mundo; são os novos condenados da terra. Sem “salvação prometida”, foram condenados ao desterro, caminharão sem destino, desfeitos os sonhos, perdidas as esperanças mais modestas. Em 1947, a Palestina, então ocupada por 600 mil judeus e 1,3 milhão de árabes (dos quais cerca de 700 mil palestinos foram expulsos), seria partilhada para que ali se instalassem dois Estados, um judeu (o futuro Estado de Israel) e outro árabe. O primeiro se estabeleceu, e sabe-se o que é ele hoje. O outro, passados 78 anos, aguarda o reconhecimento internacional que lhe é negado. Lideram a recusa os EUA e sua coorte: Reino Unido, Alemanha e a maioria da União Europeia. Israel ocupa e bloqueia os territórios palestinos da Cisjordânia, de Jerusalém Oriental e de Gaza, onde deita e rola desde a invasão de 1967, no curso da “Guerra dos Seis Dias”. Os palestinos de Gaza são um povo cativo em um país ocupado para ser destruído, hermeticamente bloqueado, privado de combustível, eletricidade, água, alimentos e remédios, com sua infraestrutura civil destruída, as escolas postas abaixo, e os hospitais à mercê dos bombardeios. As estimativas falam em algo como 35 e 45 mil vítimas civis. Mais de 15 mil crianças já morreram, e a ONU adverte que outras, mais de 15 mil bebês, ainda podem morrer se o governo de Israel continuar bloqueando a entrada de alimentos e remédios. A propósito, o insuspeitíssimo Estadão (29/5/25), claramente vinculado aos interesses da direita internacional, reproduz matéria de agência de notícias estrangeira sob o seguinte título: “Palestinos famintos invadem centro de distribuição de comida”. Abaixo estampa foto de multidão de jovens e velhos, todos famélicos, disputando uma cuia de farinha ou um naco de pão. Enquanto a comunidade internacional se omite, e o sionismo aplaude os crimes de guerra, Ehud Olmert, ex-primeiro ministro de Israel (2006-2009), define a política sionista como “perversa, maliciosa e irresponsável”. É preciso ouvi-lo: “Netanyahu, tipicamente, tenta obscurecer o tipo de ordens que vem dando, a fim de se esquivar de responsabilidade legal e criminal no devido tempo. Mas alguns de seus lacaios dizem isso abertamente: ‘Sim, vamos matar Gaza de fome’”. Acusa: “Israel está cometendo crimes de guerra”. Ehud Olmert certamente identifica como lacaios do genocida personagens como o ex-ministro e ex-deputado e líder direitista Moshe Feiglin, fundador do Zehut. Vejamos o que declarou em entrevista ao Canal 14, da televisão israelense: “Toda criança, todo bebê em gaza é um inimigo. O inimigo não é o Hamas, nem a ala militar do Hamas. Toda criança em Gaza é um inimigo. Temos que conquistar Gaza e colonizá-la e não deixar uma só criança lá. E não há outra vitória”. O conteúdo do áudio foi registrado pelo The Guardian e correu o mundo, sem, contudo, despertar o menor interesse da grande imprensa brasileira. Ao contrário dos nazistas, que tentavam esconder o holocausto, o genocídio levado a cabo contra os palestinos é escancarado, exposto ao mundo, tonitruado e exaltado pelos dirigentes de Israel e dos EUA, a potência imperial que lhes fornece apoio político, econômico, militar e logístico. Ao contrário do povo alemão, que alegava desconhecer os consabidos crimes do nazismo, a população de Israel aplaude o genocídio. Segundo pesquisa encomendada pela Penn State University, e analisada por Tamir Sorek, “82% dos judeus-israelenses apoiam a limpeza étnica de Gaza, enquanto 56% apoiam a expulsão de palestinos com cidadania israelense, comumente designados pelo léxico colonial como árabes-israelenses, e 47% concordam com a matança de palestinos em áreas conquistadas por Israel”. A visão fundamentalista, messiânica e supremacista, todavia, não muda, quando, diz a pesquisa, é ouvido o público secular: “69% dos secularistas apoiam a expulsão forçada dos moradores de Gaza, e 31% deles veem o extermínio dos moradores de Jericó como um precedente que as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) deveriam adotar.” Os últimos acontecimentos, porém, e o temor de que a barbárie sionista torne impossível o retorno dos reféns ainda nas mãos do Hamas, podem mudar o quadro interno. Registram-se as primeiras reações populares contra os reiterados crimes de guerra do Estado sionista. Manifestações de protestos surgem em várias capitais europeias. A tudo o que se sabe e não se pode mais ignorar, a imprensa mainstream batiza de “a guerra de Gaza”, como se estivéssemos em face do confronto entre dois exércitos. Assim participa da “guerra”, manipulando a informação, uma de suas frentes mais importantes. Ecoa a narrativa ideológica que interessa a sionismo, e ainda distorce ao reiterar que as ações militares têm os guerrilheiros do Hamas como alvo, quando qualquer análise fria põe a nu que o objeto dos massacres é uma hedionda limpeza étnica. É preciso denunciar e repetir à exaustão. Agências internacionais, em meados deste maio, estimavam algo entre 35 e 40 mil como o número de vítimas civis fatais em Gaza. Ainda é impossível calcular o número de feridos e mutilados e invalidados. Mas já se pode dizer que todos perderam seus bens e a cidade foi reduzida a nada. Onde já se comemorou a vida, onde um dia foi possível acreditar no futuro, apostar no sonho de um novo lar, o sionismo construiu um grande túmulo; nele se misturam vidas mortas e ruínas. Os palestinos amargam a angústia de não saberem até quando estarão vivos. Nosso silêncio, nossa inação, como povo, como sociedade, como agentes políticos, o silêncio de nossas organizações, a apatia da academia, o sono dos sindicatos, a miséria de nossos partidos, nossa pobreza revolucionária, nosso recuo diante do establishment serão registrados pela História como cumplicidade moral. Do nosso governo é justo esperar algo mais que a justa retórica. A miséria nazista, que atingiu de forma bruta e até então impensável os judeus, os comunistas, os progressistas e o pensamento de esquerda de um modo geral, os homossexuais, os ciganos, os doentes mentais, os dissidentes – a miséria dos crimes de guerra cometidos na Segunda Guerra –, foi condenada tanto pela indignação ética do mundo que então se recompunha, quanto pelo direito internacional, erguido pelo poder vencedor dos aliados. O direito carece da força para se impor. Quase todos os criminosos de guerra do Eixo (afora os que se suicidaram, como Hitler) foram julgados e condenados pelo Tribunal de Nurenberg. Ocorre que os criminosos de hoje são os que controlam a força que controla o direito. Os crimes de guerra dos EUA no Vietnã foram julgados pelo Tribunal Russell. Na altura, era o máximo possível diante da potência guerreira. Não implicou consequências objetivas, não evitou novas invasões, nem novas ocupações, nem novos crimes de guerra, mas, pelo menos, pode-se dizer que nossa consciência crítica, com aquele gesto de notável carga simbólica, rompeu com a inércia moral, e, não podendo intervir no processo histórico, deixamos nosso testemunho. A posteridade julgará os omissos. Desprotegida do que ainda chamamos de civilização, que dela se apartou, Gaza, vazia e morta, logo se transformará na formosa Riviera dos sonhos imobiliários de Trump. Suas praias, nas margens orientais do Mar Negro, hoje interditadas, em breve estarão liberadas. Bem guardadas, serão desfrutadas por brancos europeus, norte-americanos e israelenses endinheirados, livres de palestinos e dos pobres de um modo geral. Não será ainda o grande sonho, mas pode ser a nano sugestão de uma terra prometida. *** A miséria nossa de cada dia I – Se a sociedade se cala, o Senado Federal altera a voz. No último 20 de maio a chamada Câmara Alta aprovou, por injustificável unanimidade, isto é, com os votos dos partidos conhecidos como progressistas, projeto de lei que institui o dia 12 de abril como o “Dia da Amizade Brasil-Israel”, que nunca esteve tão rala como agora. E esmerou-se na escolha do pior momento, exatamente quando o Estado sionista intensifica o genocídio de que é vítima o povo palestino. Resta saber se o presidente da República terá força política para vetá-lo. Abraços ao sempre mestre Paulo Sérgio Pinheiro, que nos honrou com seu protesto. A miséria nossa de cada dia II - O Senado se esmera no esforço por auto desqualificar-se. Isso não é bom para a República, nem muito menos para a democracia, fundada na representação popular. No dia 27 de maio, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, compareceu à Comissão de Infraestrutura para discorrer sobre “a criação de unidade de conservação marinha na margem equatorial do Amapá”. Abordou o tema requerido, mas por ele não se interessaram os senadores. Isso não lhes dizia respeito: o convite se convertera em mero despiste para uma cilada. Ao invés de debater com a Ministra, os senadores, agindo como coletivo, partiram para o ataque gratuito, e a agrediram, no limite da ofensa física. Abusaram dos gritos, da tentativa de desconstituição política e pessoal, abusaram dos insultos, mesmo daqueles descabidos em roda de bar de beira de estrada. Abusaram da prepotência machista, da misoginia, do racismo e da exposição dos preconceitos os mais repugnantes. Exaltaram-se na defesa lobista dos negócios de empreiteiras, dos capitães de motosserra e dos interesses inconfessáveis, mas conhecidos, que se levantam contra a proteção do meio-ambiente, que, ao fim e ao cabo, é a defesa da vida. A comissão saiu-se mal, os senadores saíram-se mal (todos, os grosseirões e os que fugiram da defesa da ministra), mas ela saiu-se muito bem, fez-se forte ante os que queriam enfraquecê-la; saiu limpa e digna como entrou. Fico de pé para aplaudir Marina Silva. Enfim, há o que saudar – Em meio a tanto mal-estar, em meio ao choro de saudade de tanta gente que partiu aumentando nosso vazio, há uma alegria por festejar: os prêmios de Kleber Mendonça e Wagner Moura, dois intelectuais comprometidos com a construção de uma nova ordem social. * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

domingo, 25 de maio de 2025

DILMA ANISTIADA E MILITARES A CAMINHO DA CADEIA

Dilma anistiada e militares a caminho da cadeia Hoje anistiada e reconhecida globalmente, Dilma simboliza a resistência que atravessa décadas 24 de maio de 2025, 20:54 h 174 Partilhas whatsapp-white sharing button 52twitter-white sharing button 36facebook-white sharing button 69email-white sharing button 6copy-white sharing button A justiça histórica, ainda que tardia, parece estar se desenhando no horizonte político brasileiro. De um lado, a ex-presidenta Dilma Rousseff, anistiada e indenizada pelo Estado pelo sequestro e torturas brutais sofridas nas masmorras do DOI-CODI durante a ditadura militar, recebe um reconhecimento formal de sua luta pela democracia. Do outro, os militares e civis que planejaram assassinar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin, o ministro do STF Alexandre de Moraes, o ex-ministro José Dirceu em 2022, além de invadir os Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 e matar "muito mais gente", enfrentam a cadeia — ironia cruel para quem se inspirava nos métodos do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o "Dr. Tibiriçá", chefe e executor do mesmo aparelho repressivo que torturou Dilma e centenas de outros resistentes. Dilma se destaca não apenas por seu passado de resistência à ditadura, mas por seu desprendimento ilimitado, à custa da própria vida, pela democracia. Como presidenta, honrou os mandatos duas vezes recebidos do eleitorado. Governou com honestidade exemplar, sendo derrubada por um golpe parlamentar sem que houvesse qualquer crime de responsabilidade que justificasse seu impeachment. Sua queda foi um ataque à vontade popular, já que 54 milhões de brasileiros a elegeram — um mandato legítimo rasgado por interesses escusos. Play Video Hoje, Dilma é consagrada internacionalmente em reconhecimento por seu árduo e brilhante desempenho à frente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, onde teve seu mandato renovado por mais cinco anos devido à sua competência na gestão de projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Uma trajetória que contrasta com a dos golpistas de 2016, hoje derrotados nas urnas, com alguns de seus títeres destinados à prisão. Golpistas de 2022-2023, autointitulados "Punhal Verde e Amarelo", agiram como discípulos fanáticos de Ustra. Planejaram envenenar Lula, explodir Moraes com granadas e usar um arsenal de guerra — incluindo metralhadoras e lança-rojões — para consumar um golpe que tendia a superar em crueldade os piores pesadelos da ditadura. Seus líderes, como o general Mário Fernandes (ex-assessor de Bolsonaro), eram os mesmos que, em 8 de janeiro, coordenaram a invasão dos palácios enquanto bajulavam a herança sanguinária de Ustra — tal como Bolsonaro fez em 2016, ao homenagear o torturador durante o impeachment de Dilma, chamando-o de "o terror da presidenta". A conexão é óbvia: a extrema-direita brasileira, derrotada nas urnas, recorre sempre aos mesmos métodos. Se nos anos 1970 usavam cassetetes e choques elétricos, hoje armam milicianos digitais e militares radicalizados. Mas a resposta democrática tem sido igualmente clara. A CPMI do 8 de Janeiro revelou como o golpe foi urdido nos gabinetes do governo Bolsonaro. O STF agora, de maneira inédita na história, não hesita em levar ao banco dos réus os terroristas de fato — ao contrário da impunidade que Ustra desfrutou em vida. Dilma, hoje anistiada e reconhecida globalmente, simboliza a resistência que atravessa décadas. Sua tortura nos porões da ditadura, seu impeachment fraudulento em 2016 e sua ascensão ao BRICS são capítulos da mesma guerra: a da democracia contra os que a veem como um incômodo. A diferença é que, desta vez, os algozes não escaparão. Se Ustra morreu sem cumprir pena, seus herdeiros políticos — os "kids pretos" e seus mandantes — terão de responder perante a lei. O passado não se repete como farsa, mas como tragédia desmascarada e como reparação da verdade, da memória e da justiça a uma heroína da Pátria. Redação Brasil 247 avatar Conteúdo postado por: Redação Brasil 247 Tags Dilma Dilma Rousseff anistia militares golpismo punhal verde e amarelo 8 de janeiro Relacionados 'Dilma é uma guerreira que lutou contra a ditadura', celebra Jorge Messias após anistia para ex-presidente Brasil 'Dilma é uma guerreira que lutou contra a ditadura', celebra Jorge Messias após anistia para ex-presidente Comissão concede anistia a Dilma Rousseff por perseguição e tortura sofrida durante a ditadura militar Brasil Comissão concede anistia a Dilma Rousseff por perseguição e tortura sofrida durante a ditadura militar Gleisi: anistia a Dilma é "reparação histórica" Brasil Gleisi: anistia a Dilma é "reparação histórica"
Dilma anistiada e militares a caminho da cadeia Hoje anistiada e reconhecida globalmente, Dilma simboliza a resistência que atravessa décadas 24 de maio de 2025, 20:54 h A justiça histórica, ainda que tardia, parece estar se desenhando no horizonte político brasileiro. De um lado, a ex-presidenta Dilma Rousseff, anistiada e indenizada pelo Estado pelo sequestro e torturas brutais sofridas nas masmorras do DOI-CODI durante a ditadura militar, recebe um reconhecimento formal de sua luta pela democracia. Do outro, os militares e civis que planejaram assassinar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin, o ministro do STF Alexandre de Moraes, o ex-ministro José Dirceu em 2022, além de invadir os Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 e matar "muito mais gente", enfrentam a cadeia — ironia cruel para quem se inspirava nos métodos do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o "Dr. Tibiriçá", chefe e executor do mesmo aparelho repressivo que torturou Dilma e centenas de outros resistentes. Dilma se destaca não apenas por seu passado de resistência à ditadura, mas por seu desprendimento ilimitado, à custa da própria vida, pela democracia. Como presidenta, honrou os mandatos duas vezes recebidos do eleitorado. Governou com honestidade exemplar, sendo derrubada por um golpe parlamentar sem que houvesse qualquer crime de responsabilidade que justificasse seu impeachment. Sua queda foi um ataque à vontade popular, já que 54 milhões de brasileiros a elegeram — um mandato legítimo rasgado por interesses escusos. Hoje, Dilma é consagrada internacionalmente em reconhecimento por seu árduo e brilhante desempenho à frente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, onde teve seu mandato renovado por mais cinco anos devido à sua competência na gestão de projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Uma trajetória que contrasta com a dos golpistas de 2016, hoje derrotados nas urnas, com alguns de seus títeres destinados à prisão. Golpistas de 2022-2023, autointitulados "Punhal Verde e Amarelo", agiram como discípulos fanáticos de Ustra. Planejaram envenenar Lula, explodir Moraes com granadas e usar um arsenal de guerra — incluindo metralhadoras e lança-rojões — para consumar um golpe que tendia a superar em crueldade os piores pesadelos da ditadura. Seus líderes, como o general Mário Fernandes (ex-assessor de Bolsonaro), eram os mesmos que, em 8 de janeiro, coordenaram a invasão dos palácios enquanto bajulavam a herança sanguinária de Ustra — tal como Bolsonaro fez em 2016, ao homenagear o torturador durante o impeachment de Dilma, chamando-o de "o terror da presidenta". A conexão é óbvia: a extrema-direita brasileira, derrotada nas urnas, recorre sempre aos mesmos métodos. Se nos anos 1970 usavam cassetetes e choques elétricos, hoje armam milicianos digitais e militares radicalizados. Mas a resposta democrática tem sido igualmente clara. A CPMI do 8 de Janeiro revelou como o golpe foi urdido nos gabinetes do governo Bolsonaro. O STF agora, de maneira inédita na história, não hesita em levar ao banco dos réus os terroristas de fato — ao contrário da impunidade que Ustra desfrutou em vida. Dilma, hoje anistiada e reconhecida globalmente, simboliza a resistência que atravessa décadas. Sua tortura nos porões da ditadura, seu impeachment fraudulento em 2016 e sua ascensão ao BRICS são capítulos da mesma guerra: a da democracia contra os que a veem como um incômodo. A diferença é que, desta vez, os algozes não escaparão. Se Ustra morreu sem cumprir pena, seus herdeiros políticos — os "kids pretos" e seus mandantes — terão de responder perante a lei. O passado não se repete como farsa, mas como tragédia desmascarada e como reparação da verdade, da memória e da justiça a uma heroína da Pátria. Redação Brasil 247 avatar Conteúdo postado por: Redação Brasil 247 Tags Dilma Dilma Rousseff anistia militares golpismo punhal verde e amarelo 8 de janeiro Relacionados 'Dilma é uma guerreira que lutou contra a ditadura', celebra Jorge Messias após anistia para ex-presidente Brasil 'Dilma é uma guerreira que lutou contra a ditadura', celebra Jorge Messias após anistia para ex-presidente Comissão concede anistia a Dilma Rousseff por perseguição e tortura sofrida durante a ditadura militar Brasil Comissão concede anistia a Dilma Rousseff por perseguição e tortura sofrida durante a ditadura militar Gleisi: anistia a Dilma é "reparação histórica" Brasil Gleisi: anistia a Dilma é "reparação histórica"

segunda-feira, 19 de maio de 2025

"STF impediu a marcha da insensatez de Bolsonaro"

"STF impediu a marcha da insensatez de Bolsonaro", diz Gilmar Mendes Ministro do Supremo critica projeto de anistia aos golpistas do 8 de janeiro e vê ofensiva bolsonarista contra a democracia 19 de maio de 2025, 04:05 h Redação Brasil 247 2 47 – Em entrevista concedida aos jornalistas Ricardo Noblat e Guga Noblat (assista aqui), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), fez uma firme defesa da atuação da Corte nos últimos anos, especialmente durante a pandemia de Covid-19, e alertou para os riscos que projetos de anistia e propostas legislativas podem representar para a democracia brasileira. Ao comentar os ataques sofridos pelo Supremo e a queda de sua popularidade, Gilmar afirmou que a atuação do tribunal foi essencial para salvar vidas diante da omissão do governo Bolsonaro. “O tribunal impediu o governo de continuar com aquela marcha sem sentido que tínhamos — a marcha da insensatez, aquela ideia da imunidade de rebanho”, disse. Segundo ele, sem a intervenção da Corte, o governo teria prosseguido com uma política pública "sem sentido", o que poderia ter custado ainda mais vidas durante a crise sanitária. Redes sociais e desgaste institucional O ministro também refletiu sobre a deterioração da imagem do STF nos últimos anos, apontando o papel das redes sociais nesse processo. “Talvez tenhamos a nosso favor uma maioria silenciosa e contra nós uma minoria muito barulhenta”, avaliou. Para ele, a ascensão da desinformação e dos ataques orquestrados online tem influenciado negativamente a percepção pública sobre o Judiciário. Gilmar ainda destacou que a função do Supremo é, muitas vezes, “contramajoritária”, ou seja, deve resistir às pressões populares quando estas se contrapõem à Constituição. “O tribunal precisa nadar contra a corrente para defender os princípios constitucionais, mesmo que isso custe popularidade”, explicou. "STF impediu a marcha da insensatez de Bolsonaro", diz Gilmar Mendes Ministro do Supremo critica projeto de anistia aos golpistas do 8 de janeiro e vê ofensiva bolsonarista contra a democracia 19 de maio de 2025, 04:05 h 137 Partilhas whatsapp-white sharing button 5twitter-white sharing button 22facebook-white sharing button 93email-white sharing button 6copy-white sharing button Gilmar Mendes Gilmar Mendes (Foto: STF via Flickr) Bluesky LogoBluesky Bluesky LogoThreads Apoie o 247Siga-nos no Google News Redação Brasil 247 avatar Conteúdo postado por: Redação Brasil 247 247 – Em entrevista concedida aos jornalistas Ricardo Noblat e Guga Noblat (assista aqui), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), fez uma firme defesa da atuação da Corte nos últimos anos, especialmente durante a pandemia de Covid-19, e alertou para os riscos que projetos de anistia e propostas legislativas podem representar para a democracia brasileira. Ao comentar os ataques sofridos pelo Supremo e a queda de sua popularidade, Gilmar afirmou que a atuação do tribunal foi essencial para salvar vidas diante da omissão do governo Bolsonaro. “O tribunal impediu o governo de continuar com aquela marcha sem sentido que tínhamos — a marcha da insensatez, aquela ideia da imunidade de rebanho”, disse. Segundo ele, sem a intervenção da Corte, o governo teria prosseguido com uma política pública "sem sentido", o que poderia ter custado ainda mais vidas durante a crise sanitária. Redes sociais e desgaste institucional O ministro também refletiu sobre a deterioração da imagem do STF nos últimos anos, apontando o papel das redes sociais nesse processo. “Talvez tenhamos a nosso favor uma maioria silenciosa e contra nós uma minoria muito barulhenta”, avaliou. Para ele, a ascensão da desinformação e dos ataques orquestrados online tem influenciado negativamente a percepção pública sobre o Judiciário. Gilmar ainda destacou que a função do Supremo é, muitas vezes, “contramajoritária”, ou seja, deve resistir às pressões populares quando estas se contrapõem à Constituição. “O tribunal precisa nadar contra a corrente para defender os princípios constitucionais, mesmo que isso custe popularidade”, explicou. Críticas à anistia e à ofensiva legislativa Questionado sobre o projeto em tramitação no Congresso que busca anistiar os envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023, o ministro foi direto: “Estão usando casos como o da Débora do Batom mais para beneficiar a cúpula que eventualmente se envolveu em tropelias de golpe de Estado”. Ele alertou para o risco de se normalizar crimes contra a democracia sob o pretexto de pacificação. Gilmar também lembrou que iniciativas semelhantes existiram em regimes autoritários, como a Constituição de 1937, conhecida como “polaca”. “Esse dispositivo constava da polaca, que não era nada democrática. Getúlio usou esse dispositivo contra decisões do Supremo”, afirmou, em referência a projetos que visam submeter decisões do STF ao crivo do Congresso. Tentativas de ruptura e leniência com golpismo Durante a entrevista, o ministro recordou episódios em que temeu graves tumultos institucionais nos quatro anos do governo Bolsonaro. “Tivemos momentos de muita tensão, como o desfile de tanques na Esplanada e manifestações que ameaçavam o tribunal”, contou. Ele classificou como “leniente” a conduta de setores militares diante dos acampamentos golpistas em frente a quartéis. “O que nós fizemos para permitir que isso acontecesse? E o que devemos fazer para evitar que se repita?”, questionou Gilmar ao lembrar sua visita ao prédio do Supremo após os ataques de janeiro de 2023. Para ele, ainda falta clareza na definição do papel das Forças Armadas e de policiais militares em funções públicas civis, e o Congresso tem sido omisso ao não avançar com propostas que delimitem esses pontos. Diferença entre as anistias de 1979 e 2023 Ao ser confrontado com o argumento de que uma nova anistia seria coerente com a de 1979, Mendes foi categórico ao refutar a comparação: “A de 79 fazia parte de um processo de reconciliação após um período de exceção. Agora estamos vivendo um outro momento — estávamos em plena democracia, num ambiente de absoluta normalidade, quando veio o ataque. Isto não faz qualquer sentido”. Por fim, o ministro reiterou a necessidade de se preservar o Estado Democrático de Direito e chamou atenção para o papel do Judiciário na contenção de impulsos autoritários. “É possível que se vá tanto em termos de impunidade que se coloque em risco todo um processo civilizatório”, alertou. Críticas à anistia e à ofensiva legislativa Questionado sobre o projeto em tramitação no Congresso que busca anistiar os envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023, o ministro foi direto: “Estão usando casos como o da Débora do Batom mais para beneficiar a cúpula que eventualmente se envolveu em tropelias de golpe de Estado”. Ele alertou para o risco de se normalizar crimes contra a democracia sob o pretexto de pacificação. Gilmar também lembrou que iniciativas semelhantes existiram em regimes autoritários, como a Constituição de 1937, conhecida como “polaca”. “Esse dispositivo constava da polaca, que não era nada democrática. Getúlio usou esse dispositivo contra decisões do Supremo”, afirmou, em referência a projetos que visam submeter decisões do STF ao crivo do Congresso. Tentativas de ruptura e leniência com golpismo Durante a entrevista, o ministro recordou episódios em que temeu graves tumultos institucionais nos quatro anos do governo Bolsonaro. “Tivemos momentos de muita tensão, como o desfile de tanques na Esplanada e manifestações que ameaçavam o tribunal”, contou. Ele classificou como “leniente” a conduta de setores militares diante dos acampamentos golpistas em frente a quartéis. “O que nós fizemos para permitir que isso acontecesse? E o que devemos fazer para evitar que se repita?”, questionou Gilmar ao lembrar sua visita ao prédio do Supremo após os ataques de janeiro de 2023. Para ele, ainda falta clareza na definição do papel das Forças Armadas e de policiais militares em funções públicas civis, e o Congresso tem sido omisso ao não avançar com propostas que delimitem esses pontos. Diferença entre as anistias de 1979 e 2023 Ao ser confrontado com o argumento de que uma nova anistia seria coerente com a de 1979, Mendes foi categórico ao refutar a comparação: “A de 79 fazia parte de um processo de reconciliação após um período de exceção. Agora estamos vivendo um outro momento — estávamos em plena democracia, num ambiente de absoluta normalidade, quando veio o ataque. Isto não faz qualquer sentido”. Por fim, o ministro reiterou a necessidade de se preservar o Estado Democrático de Direito e chamou atenção para o papel do Judiciário na contenção de impulsos autoritários. “É possível que se vá tanto em termos de impunidade que se coloque em risco todo um processo civilizatório”, alertou.

domingo, 18 de maio de 2025

PAPA CONVIDADO A COMPARECER A COP30

Novo papa condena economia que ‘explora recursos da Terra e marginaliza pobres’; Alckmin o convida à COP30 Leão 14 celebrou missa para 150 mil pessoas e 140 delegações na Basílica de São Pedro 18.maio.2025 às 10h26 Curitiba (PR) Redação Novo papa condena economia que ‘explora recursos da Terra e marginaliza pobres’; Alckmin o convida à COP30 O vice-presidente Geraldo Alckmin entrega ao papa Leão 14 convite para à COP30, que acontecerá em novembro, em Belém - Reprodução/Vatican News O novo papa, Leão 14, celebrou neste domingo a missa inaugural de seu papado condenando o modelo econômico que “explora os recursos da Terra” e “marginaliza os pobres”. Na ocasião, o papa recebeu das mãos do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) um convite para que compareça à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontecerá em novembro, em Belém. Alckmin foi o representante do Estado brasileiro na missa celebrada por Leão 14, na Basílica de São Pedro, no Vaticano. Outras 140 delegações de países e organizações internacionais estiveram no evento, incluindo o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski. Cerca de 150 mil pessoas assistiram à cerimônia, que começou às 10h do horário local (5h no horário de Brasília). Leão cumpriu alguns rituais do início do papado, como o recebimento do Pálio, símbolo da posição do papa como pastor dos católicos, e do Anel do Pescador, com a imagem do apóstolo Pedro, usado para autenticar documentos do Vaticano. Depois, falou aos presentes pedindo paz e fraternidade. “Ainda vemos demasiada discórdia, feridas causadas pelo ódio, a violência, os preconceitos, o medo do diferente e um paradigma econômico que explora os recursos da Terra e marginaliza os mais pobres”, disse Leão 14. “Queremos ser, dentro desta massa, um pequeno fermento de unidade, comunhão e fraternidade. Queremos dizer ao mundo, com humildade e alegria: olhem para Cristo, aproximem-se dele”, acrescentou ele. O estadunidense naturalizado peruano disse que foi escolhido para substituir o papa Francisco, morto no último dia 21, “sem mérito, com temor e tremor”. Disse que não pretende ser “um líder solitário ou um chefe acima dos outros”. Editado por: Nicolau Soares

PRESO POLITICO POR 12 ANOS A PRESIDENTE DO URUGUAI

De preso político por 12 anos a presidente do Uruguai: veja a trajetória excepcional de Pepe Mujica Com flores, cárcere e mateadas, Mujica moldou a história uruguaia com ética, coragem e amor 18.maio.2025 às 10h10 Havana (Cuba) Gabriel Vera Lopes De preso político por 12 anos a presidente do Uruguai: veja a trajetória excepcional de Pepe Mujica (FILES) Former National Liberation Movement (MLN) guerrilla organization members (L) Jose Mujica, and Mauricio Rossencof(R) next to Adolfo Wassen Jr. are seen on the day of their liberation as political prisoners in Montevideo on March 14, 1985. Mujica is due to take office as Uruguayan President next March 1, marking the begining of a second term for the ruling left-wing Frente Amplio coalition. Mujica, an ex-guerrilla fighter and hero of the Latin American left, died on May 13, 2025 at the age of 89. The humble leader -- who once spent a dozen years behind bars for revolutionary activity -- lost his battle against cancer after announcing in January the disease had spread and he would stop treatment. (Photo by AGENCIA CAMARA TRES / AFP) / Uruguay OUT / RESTRICTED TO EDITORIAL USE - MANDATORY CREDIT "AFP PHOTO / AGENCIA CAMARA TRES " - NO MARKETING NO ADVERTISING CAMPAIGNS - DISTRIBUTED AS A SERVICE TO CLIENTS Filho de Demetrio Mujica Terra e Lucy Cordano Giorello, “Pepe” Mujica cresceu nos arredores de Montevidéu, em Paso de la Arena, em uma família de pequenos trabalhadores rurais. Sua mãe era horticultora e seu pai, pequeno agricultor que faleceu em 1940, quando Mujica tinha apenas seis anos de idade. Desde cedo, Mujica trabalhou vendendo flores para ajudar a mãe, hábito que, assim como o amor pela terra, o acompanhariam por toda a vida, até seus últimos dias. A necessidade de trabalhar o impediu de concluir os estudos e, muito jovem, começou a se envolver nos problemas do país e nas causas dos trabalhadores. Aos 14 anos, passou a acompanhar as mobilizações por melhores salários. Como herança familiar, no início da juventude, foi membro do Partido Nacional (PN), onde chegou a ocupar o cargo de secretário-geral da Juventude. No entanto, apesar da perspectiva de uma carreira promissora, deixou o partido para se engajar em movimentos de esquerda. Na metade da década de 1960, influenciado pela Revolução Cubana e por um contexto de lutas sociais em todo o continente, Pepe Mujica foi um dos fundadores do Movimiento de Liberación Nacional-Tupamaros (MLN-T), uma organização político-militar que se tornaria uma das mais relevantes da América Latina. O grupo executou o policial estadunidense conhecido nos círculos militares como “o mestre da tortura”, Dan Mitrione, que participou pessoalmente da preparação e do treinamento de grupos de extermínio dedicados ao sequestro e à eliminação de militantes políticos, sindicais e sociais durante a ditadura brasileira. Naquele período, ele viajou ao Uruguai como chefe do Escritório de Segurança Pública dos Estados Unidos, com o objetivo de assessorar o governo na criação dos tristemente célebres “esquadrões da morte”. Mujica foi baleado e preso em quatro ocasiões. Até que, em 1972 — junto com um grupo de militantes — foi capturado e submetido à tortura por quase 13 anos. No entanto, nem o terror mais abominável foi capaz de fazê-lo desistir. Pepe jamais abandonou seu compromisso político, nem sua pregação por uma vida que valha a pena ser vivida — desprovida da ambição de acumular riquezas. Considerado “o presidente mais humilde do mundo”, Mujica governou o Uruguai entre 2010 e 2015. Durante seu mandato, recusou-se a viver na residência oficial e continuou morando, ao lado de sua companheira Lucía Topolansky, em sua modesta chácara de 20 hectares, localizada em Rincón del Cerro, uma zona rural próxima à capital uruguaia. Além disso, doava 90% do seu salário para projetos sociais e outros 5% para o Movimento de Participação Popular (MPP). Constantemente questionado sobre seu estilo de vida simples, Mujica costumava dizer: “Não sou pobre, apenas ando leve”. “Se eu pudesse viver de novo, dedicaria minha vida ao meu povo”, afirmou Mujica em um comovente discurso dirigido à juventude, em 2023. A mais extraordinária fuga Ninguém os tinha visto. Ninguém os tinha ouvido. Naquela manhã, quando os guardas iniciaram a inspeção rotineira nas celas, eles simplesmente haviam desaparecido. Imediatamente, o som desesperado das sirenes se misturou aos gritos perplexos dos guardas. Durante todo aquele tempo, eles estiveram ali, bem debaixo dos narizes dos carcereiros, planejando e executando — com precisão de relógio — uma das fugas mais extraordinárias e numerosas que a história do continente já conheceu. Naquela segunda-feira, 6 de setembro de 1971, sem que ninguém percebesse, 106 prisioneiros políticos do Movimiento de Liberación Nacional-Tupamaros (MLN-T) — juntamente com cinco detentos comuns que colaboraram com eles — conseguiram escapar da prisão de Punta Carretas, uma das mais seguras do Uruguai. Cada detalhe havia sido meticulosamente planejado. Durante semanas, os Tupamaros construíram uma rede de passagens que ligava diferentes celas do segundo e terceiro andares — onde estavam os presos políticos — a uma cela no térreo. A partir dali, cavaram um túnel que levava até uma casa localizada na calçada do outro lado da rua da prisão. As ferramentas utilizadas eram fabricadas dentro da própria prisão. A terra e os entulhos removidos eram escondidos debaixo das camas ou disfarçados com pôsteres de clubes de futebol e modelos pendurados nas paredes. Em alguns casos, chegavam até a subornar guardas para evitar que revistassem as celas. Nas primeiras horas da manhã, enquanto os guardas descansavam, os 111 fugitivos escaparam, um a um, em direção a uma casa onde uma célula tupamara os aguardava. De lá, um comando da organização ficou encarregado de distribuir os militantes por diferentes pontos da cidade, onde eram recebidos em casas clandestinas. O plano de fuga foi concebido de dentro da própria prisão. Entre seus idealizadores estava o principal líder da organização, Raúl Sendic, acompanhado de outras figuras importantes como José “Pepe” Mujica, Eleuterio Fernández Huidobro, Jorge Zabalza e Jorge Amílcar Manera Lluberas — engenheiro civil responsável por calcular a rota do túnel com base em antigos esboços da prisão obtidos com um preso comum. A ação ocorreu simultaneamente a uma série de operações realizadas pelos Tupamaros em La Teja — um bairro histórico da classe trabalhadora, com forte tradição sindical e militante. Lá, o grupo montava barricadas e executava ações relâmpago com o objetivo de distrair a atenção das forças policiais. Naquela madrugada de 6 de setembro de 1971, “Pepe” Mujica viu, pela primeira vez, Lucía Topolansky — que viria a ser sua companheira para toda a vida. Ela integrava a equipe de militantes que operava do lado de fora, garantindo a viabilidade da fuga. Apenas dois meses antes, Lucía havia sido uma das organizadoras da Operação Estrela, na qual 38 mulheres presas políticas escaparam da prisão feminina de Cabildo. A notícia estampou as primeiras páginas dos jornais ao redor do mundo. A fuga espetacular tornou-se uma das ações de propaganda mais emblemáticas da luta armada urbana, em um contexto regional atravessado por movimentos revolucionários em diversos países do Cone Sul. A longa noite A primeira vez que sentiu o calor do sol no rosto, Mujica não conseguiu conter o choro. Durante anos, a ditadura civil-militar uruguaia o submeteu a todo tipo de tortura física e psicológica, chegando a mantê-lo preso em um buraco, em condições desumanas, sem sequer ver a luz do dia. Segundo seu próprio testemunho, durante esses anos, a luta mais difícil e desgastante foi contra a insanidade. As torturas constantes e o isolamento total lhe causaram graves distúrbios neurológicos e psiquiátricos. Naquela época, para manter algum contato — por mais tênue que fosse — com a realidade, ele caminhava de um lado para o outro nas minúsculas celas para onde era levado, contando os próprios passos. “Para nós, o sol foi aparecendo aos poucos”, diz ele em uma comovente entrevista ao semanário Brecha, concedida há 25 anos. “O homem não é ele mesmo; o homem é fruto das vicissitudes, das adversidades. Alguns de nós tiveram a sorte de a vida nos apertar, mas não nos derrubar. Ela nos deu licença para continuar vivendo e, até certo ponto, colher o mel que conseguimos extrair em meio à amargura”, acrescenta na mesma conversa, apesar das humilhações indescritíveis às quais foi submetido. Assim como a maioria dos líderes dos Tupamaros — juntamente com outras organizações de esquerda, como o Partido Comunista Uruguaio — Mujica foi novamente preso nos primeiros meses de 1972. Foi a quarta vez que ele foi detido, e essa seria a mais longa: ele permaneceria encarcerado por quase treze anos. Em meados de abril daquele ano, o governo de Juan María Bordaberry — pertencente ao setor ruralista do tradicional Partido Colorado — conseguiu que o Parlamento uruguaio declarasse o “Estado de Guerra Interna”, autorizando assim as Forças Armadas a atuarem como forças policiais em todo o país. A militarização da segurança interna veio acompanhada da suspensão das garantias constitucionais e do uso sistemático da tortura como método para obtenção de informações. Entre abril e setembro de 1972, vários dos principais líderes do Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros (MLN-T) foram assassinados, enquanto outros nove — Raúl Sendic, José “Pepe” Mujica, Eleuterio Fernández Huidobro, Mauricio Rosencof, Adolfo Wasem, Jorge Manera, Julio Marenales, Jorge Zabalza e Henry Engler — foram sequestrados em operações militares violentas. Assim como centenas de outros presos políticos, nenhum deles foi submetido a julgamento. O então presidente Juan María Bordaberry, alegando que uma suposta “conspiração contra a pátria” estaria “infiltrada nas próprias instituições”, decidiu, em 27 de junho de 1973, em acordo com os militares, dissolver os poderes legislativos e suspender o regime constitucional, dando início ao golpe de Estado que governaria o país até 1985. Após o golpe, os nove presos políticos foram escolhidos pela ditadura como “reféns”. Em uma operação brutal, eles foram retirados de suas celas com as cabeças cobertas, encapuzados e algemados, sendo transferidos para diferentes quartéis militares ao redor do país. Assim começava uma longa e aterrorizante peregrinação por diversos centros de detenção. Divididos em grupos de três, foram mantidos em condições desumanas: trancados em masmorras minúsculas, submetidos a torturas físicas e psicológicas, sob vigilância constante e praticamente sem qualquer contato humano. Durante quase doze anos, viveram sob um regime de terror que buscava destruir sua saúde física e mental. Os anos mais terríveis duraram até 1980. Naquele ano, a ditadura convocou um plebiscito com o objetivo de aprovar uma nova Constituição que consolidaria ainda mais o poder das Forças Armadas. Apesar do controle da mídia e da repressão aos opositores, o “NÃO” à nova Constituição venceu, com 57,2% dos votos. Naquela noite, os prisioneiros foram brutalmente torturados pelos militares. No entanto, também teve início um longo processo de enfraquecimento da ditadura, que culminaria nas eleições gerais e na reabertura constitucional em 1985. Por meio de uma anistia, Mujica recuperou sua liberdade, juntamente com centenas de outros presos políticos. Na época de sua libertação, ele tinha quase 50 anos. A partir de então, Pepe voltaria a se reunir com Lucía Topolansky, com quem compartilharia o restante de sua vida até o momento de sua morte. As mateadas Suas atividades políticas recomeçaram quase imediatamente após a libertação da prisão. Mujica conta que sua primeira tarefa militante foi encontrar um lugar onde pudesse se reunir com seus companheiros para planejar os próximos passos. Apenas duas semanas depois de Julio María Sanguinetti assumir a presidência, os Tupamaros que haviam sido “reféns” da ditadura realizaram uma coletiva de imprensa histórica. Transmitido pelos canais de televisão, o grupo anunciou que voltava às ruas “em espírito de paz” para “atuar intensamente dentro da legalidade vigente”. Naquela ocasião, anunciaram que continuariam sua luta com base em três pilares: a reforma agrária, a nacionalização dos bancos e o não reconhecimento da dívida externa contraída pela ditadura. Uma nova e intensa etapa começava na vida de Pepe Mujica. Naqueles anos, ele se tornou um dos principais oradores nas “mateadas”, como eram chamadas as reuniões em espaços públicos, onde o MLN-T compartilhava o mate, conversava com os vizinhos e respondia a perguntas sobre seu passado militante, o período na prisão e sua visão sobre a situação política do país. Em uma entrevista à televisão espanhola em 1987, Mujica declarou: “Sem sermos reformistas, temos que apoiar soluções tipicamente reformistas, porque a coisa mais valiosa que este povo tem é a liberdade política”. Naqueles anos, as divergências políticas entre os membros do MLN-T também começaram a se tornar mais evidentes. Esse processo se intensificou com a morte de seu líder histórico, Raúl Sendic, em 1989. Nesse mesmo ano, Mujica foi uma das principais forças por trás da criação do Movimento de Participação Popular (MPP). Ele conseguiu integrá-lo à Frente Ampla — uma coalizão de partidos de esquerda e centro — apesar da resistência do Partido Comunista. Com a entrada do MPP, a Frente Ampla passou a experimentar um expressivo crescimento eleitoral, que, anos depois, levaria a coalizão a governar o país. Esse também foi um período em que Mujica passou a adotar posições mais moderadas, vistas por alguns setores como um afastamento das propostas originais do movimento. O triunfo eleitoral da Frente Ampla A vitória da Frente Ampla (FA) nas eleições gerais de 2004 foi marco histórico para o país. Pela primeira vez, uma coalizão de esquerda chegou ao governo nacional, encerrando décadas de alternância entre os partidos tradicionais, Colorado e Nacional. Naquele ano, Tabaré Vázquez, membro do Partido Socialista, venceu as eleições já no primeiro turno. A coalizão de esquerda havia se consolidado durante sua gestão à frente da Prefeitura de Montevidéu. Após vários anos no Legislativo, Mujica foi nomeado Ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca. No entanto, as tensões não demoraram a surgir. Apenas um ano após assumir o cargo, um grupo de trabalhadores rurais de Bella Unión ocupou 36 hectares de terra que estavam abandonados havia onze anos. A ocupação reacendeu velhos fantasmas. Bella Unión não era um lugar qualquer: foi lá que, na década de 1960, surgiu o movimento da cana-de-açúcar liderado por Raúl Sendic, em torno do qual seria fundado o MLN-T. O governo acusou o movimento de ser “ultraesquerdista” e de “colocar pedras no caminho do governo”. Sua presidência A pessoa encarregada de colocar a faixa presidencial em Mujica, em 2010, foi Lucía Topolansky. O mérito foi totalmente dela, pois havia sido a legisladora mais votada do país. Ambos haviam sido torturados durante a ditadura, e foi juntos que não só conseguiram superar as adversidades, mas também alcançar uma centralidade política sem precedentes, fazendo com que boa parte do mundo passasse a conhecer esse pequeno país de apenas 3,5 milhões de habitantes. “O amor tem idades. Quando você é jovem, ele é uma fogueira. Quando você é velho, é um hábito doce. Se estou vivo, é porque ela está”, disse Mujica em uma entrevista, dois anos antes de sua morte. Apesar das desconfianças de setores mais moderados da coalizão, Mujica conseguiu vencer as eleições internas do partido em 2009, com amplo apoio. Isso fez com que o MPP se tornasse o setor mais votado da coalizão. Nas eleições gerais, Mujica derrotou o candidato do Partido Nacional, Luis Alberto Lacalle Herrera. Desde que assumiu o cargo, se tornou um dos líderes mais carismáticos do mundo, reconhecido internacionalmente por seu estilo de vida austero e por seu discurso ético, especialmente contra o consumismo. Sua presidência foi marcada principalmente pela expansão dos direitos. O aborto foi descriminalizado (2012) e a lei do casamento igualitário foi aprovada (2013), consolidando o perfil secular e a cultura progressista do país. Durante seu mandato, o país vivenciou o maior período de aumento do salário mínimo para os trabalhadores, o que contribuiu para a redução da pobreza, além do crescimento do PIB. Mujica encerrou seu mandato como um dos presidentes com a imagem mais positiva do mundo, alcançando uma aprovação de 70%. Além disso, ele foi fundamental para o retorno da Frente Ampla ao governo nas eleições de 2024. Mujica foi uma das principais forças motrizes por trás da campanha “A Frente Ampla ouve você”, na qual líderes e ativistas viajaram por todo o país com o objetivo de reconstruir laços e elaborar um programa coletivo para o próximo governo. Em uma coletiva de imprensa em abril de 2024, o líder histórico da Frente Ampla anunciou que estava com câncer. Naquele mesmo dia, dirigindo-se aos jovens, Mujica declarou: “Aos jovens deste país, quero dizer que a vida é bela, mas ela se desgasta e vai embora (…) O cerne da vida é recomeçar toda vez que se cair.” Em janeiro passado, ele anunciou que o câncer havia se espalhado por todo o seu corpo. Em meio à tristeza da despedida, afirmou que morreria em sua amada chácara e que desejava ser enterrado sob uma árvore, onde descansa sua querida Manuela, a cachorrinha que acompanhou o amor de Pepe e Lucía. “A maior conquista é que, quando eu partir, haverá um grande número de pessoas que continuarão militando e sonhando com um mundo melhor”, costumava dizer em suas últimas entrevistas. O mundo se despede de um grande. Editado por: Rodrigo Durão Coelho