segunda-feira, 26 de outubro de 2020

QUANDO 2010 VIER... (II)

Publicado em: outubro 26, 2020 Flavio Fligenspan (*) Faltando praticamente dois meses para o início de 2021, a confusão prevista no cenário econômico brasileiro começou a se armar. Na semana passada saíram informações novas sobre a taxa de desemprego, o índice de inflação e o grau de confiança das empresas na política econômica. Todas bem ruins. O desemprego começa sua previsível curva ascendente e já bate recorde. Tal como esperado, diminuiu o nível de isolamento social – seja pelo cansaço, seja pelo recuo natural da doença – e caiu pela metade o auxílio emergencial, as pessoas foram para a rua em busca de ocupação e de reforçar o orçamento. Em consequência, o percentual de isolamento ficou ainda menor. Diante da atividade muito fraca, em especial no setor de serviços, sabidamente absorvedor de grandes contingentes de trabalhadores não especializados, sobrou oferta e faltou (muita) demanda por mão de obra. Resultado, sobe a taxa de desemprego e cai a remuneração média, para não falar de aumentos da informalidade e das desigualdades no mercado de trabalho, em que saem perdendo os que sempre saem perdendo: as mulheres, os negros e os jovens. A inflação de outubro, medida pelo IPCA-15, alcançou quase 1%, a maior taxa dos últimos vinte e cinco anos para este mês. Com as altas dos últimos meses, a taxa acumulada em 12 meses chegou a 3,5% e forçou a revisão das projeções dos economistas que respondem à Pesquisa Focus, do Banco Central; agora, na média, eles esperam inflação de 2,65% para este ano. Trata-se da décima semana em que há revisão para mais deste indicador, fazendo-o chegar a um número bem maior do que se imaginava quando a pandemia bateu forte no Brasil e a economia quase parou. A piora das projeções não se deve, é claro, a um excesso de demanda, se deve, principalmente, aos efeitos da alta da taxa de câmbio sobre o setor de alimentação. E do que decorre a alta do dólar? Da escassez de divisas, resultado da saída de capital estrangeiro em massa do Brasil neste ano, sinal de desconfiança na política econômica em combinação com taxas de juros historicamente baixas, esta sim uma boa notícia. Ou nem tanto, a taxa demorou muito para cair e poderia estar ainda menor hoje. Por falar em confiança, pesquisa da FGV com empresas brasileiras, também publicada na semana passada, revela que mais da metade delas não tem confiança na administração da política econômica. Incerteza é o tema dominante na lista de fatores negativos e o fator positivo com mais frequência de respostas refere-se à retomada da economia internacional, variável fora do nosso controle. Já vai longe o tempo em que o empresariado nacional depositava alta credibilidade no Ministério da Economia, que prometia resultados espetaculares em várias frentes e, como se viu, quase nada aconteceu no intervalo de 22 meses. Aliás, aconteceu sim, muita coisa ruim e a resultante perda de credibilidade e de confiança no futuro. Neste cenário, a economia vai seguir um caminho lento de recuperação e nem pensar em retomada dos investimentos. Mesmo com este panorama que não entusiasma ninguém, o Ministério segue firme na sua posição de retirar o mais breve possível todos os incentivos a empresas e a famílias nascidos na urgência da pandemia. O objetivo é recuperar bons resultados fiscais. Ironicamente, o FMI se pronunciou também na semana passada, através de seu Diretor do Departamento para o Hemisfério Ocidental, mostrando preocupação com a retirada precoce – segundo ele – do apoio fiscal oferecido por diversos países neste ano excepcional de 2020. Por sua vez, o Editor do Financial Times se mostrou muito preocupado com o que tem se chamado de Covid Econômica – os efeitos econômicos negativos da pandemia para os próximos anos – e com a necessidade de sustentar os mecanismos de apoio criados em 2020 sob pena de cavarmos um buraco ainda maior. A idéia é a mesma do FMI, não é hora de recuar no uso do arsenal de medidas para tentar reativar a economia. Como se sabe, nem o FMI nem o Financial Times são instituições irresponsáveis e representantes do pensamento econômico heterodoxo. Eles só estão vendo com clareza e preocupação o cenário perigoso para 2021 em vários países do mundo, inclusive no Brasil. Seria muito estranho que o FMI, que sempre nos recomendou cautela e, sobretudo, muita austeridade fiscal e monetária, viesse a censurar o Brasil por adotar uma política econômica considerada ortodoxa que levaria a uma catástrofe a partir do início do ano que vem. (*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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