As fotos dos corpos estendidos no chão correram o mundo, mas pelos mais variados motivos, a justiça ainda não deu sua palavra final.
Anuncia-se um dos júris para janeiro próximo. Dificilmente, no entanto, terá a mesma repercussão midiática do “maior julgamento da história” –Carandiru não é Mensalão e só trata de vidas humanas destituídas de qualquer poder ou influência partidária.
Independente do que possa acontecer no julgamento, o fato é que nem mesmo o longo tempo nos permitiu aprender as lições que o episódio foi capaz de legar.
A Casa de Detenção foi implodida em um gesto de alto simbolismo. Mas a superlotação e os maus tratos carcerários apenas mudaram de endereço.
Já fomos apresentados a presos em contêineres, algemados ao chão e empilhados também nus (embora ainda vivos) em cárceres imundos.
Os maiores centros de detenção provisória já estão sendo apelidados de Novos Carandirus e, a par de uma política ainda desumana nas execuções penais, nos recusamos a considerar as próprias “detenções provisórias” como um excesso.
A violência policial não sofreu nenhum abalo com o episódio. Segue firme, forte e atuante –e com respaldo social.
O coronel Ubiratan Guimarães, comandante em chefe da tropa que ocupou o Carandiru há vinte anos, chegou a concorrer ao cargo de deputado estadual justamente com o número 111 -e ainda foi eleito.
De lá pra cá, as estatísticas da violência policial só fizeram aumentar, até chegar a cerca de 20% das mortes no Estado.
Recentemente, o ex-governador Fleury disse que sua popularidade à época dos fatos nada decaiu, e por ironia ou provocação, repetiu uma frase do atual governador que tem tudo para virar marca registrada desses confrontos: “quem não reagiu não foi morto”.
Impedir a barbárie é uma das principais funções da democracia e isso se faz garantindo um pacote mínimo de direitos mesmo a quem se confronta com a lei –democracia está longe de ser apenas a “vontade da maioria”.
Mas enquanto estivermos submetendo questões criminais ao crivo da “opinião pública”, dirigida, sobretudo, pelo terror disseminado cotidianamente pela mídia, atrocidades vão continuar se repetindo.
Por fim, também deixamos de reconhecer o absurdo do foro privilegiado, que atrasou por longos anos o julgamento do coronel Ubiratan, com sucessivas eleições a deputado que mudaram a competência do órgão julgador.
Depois de condenado pelo Júri, ele veio a ser absolvido, quando detinha de novo o foro privilegiado, mas morreu antes de um julgamento definitivo.
Não fosse simplesmente uma agressão ao princípio da isonomia, é também enorme contrassenso inverter o juiz natural de um julgamento por fato posterior, seja a eleição, a renúncia ou o fim de um mandato.
O pior é que corremos o risco de que uma decisão afinada com a “opinião pública” no caso mensalão venha a legitimar esse monstrengo -em nome do qual muitos outros processos fora do alcance dos refletores da mídia estão fadados a prescrever.
Mas a verdade é que nem tudo ficou como antes no sistema prisional.
A superpopulação carcerária, fruto da legislação de emergência dos Crimes Hediondos, aliada à omissão de governos e a conivência de vários agentes permitiram criar e ajudaram a fortalecer as facções criminosas.
As rebeliões, agora, não se limitam mais aos muros das prisões.
Se ficamos anos apagamos fogo com querosene, por que a surpresa quando o incêndio aumenta?

FONTE: Blog do Marcelo Semer